domingo, 20 de março de 2011

Tese Tripartida dos direitos subjectivos no Direito Administrativo – Posição do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa

Segundo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, a CRP nos seus arts.20º n.º1 e 266º nº.1 faz uma distinção entre direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos.

Esta distinção de origem italiana (onde era verdadeiramente relevante pois era a partir desta distinção que se repartiam competências entre a jurisdição comum e a jurisdição administrativa) foi trazida para Portugal pelo Prof. Marcello Caetano, tendo sido transposta pela doutrina dominante para a lei (art.266 nº1 e 268 nº 3, 4 e 5 da CRP e os arts. 53º e 124º al.a) do CPA) e utilizada pela Jurisprudência não se referindo, por vezes, à expressão “interesses legalmente protegidos” mas utilizando a expressão clássica de “interesses legítimos”, sendo a diferença meramente terminológica.

O Prof. Marcelo reconhece que o Prof. Vasco Pereira da Silva tem sido um dos principais críticos desta teoria, porém afirma que esta critica não tem grande utilidade a não ser no campo conceptual, isto porque nos textos legais, as duas expressões são quase sempre referidas conjuntamente o que permite pressupor que têm regimes jurídicos idênticos. O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa considera então que os regimes dos interesses legalmente protegidos e dos direitos subjectivos têm aspectos em comum, como a legitimidade para a invocação dos direitos de informação e de participação, a legitimidade de queixa ao Provedor de Justiça, entre outros.

Na opinião do Prof.Marcelo a concepção de direito subjectivo adoptada consiste de um feixe de poderes ou faculdades” concedidos ao sujeito para proteger imediata e directamente interesses deste. O professor afirma que uma destas faculdades é a possibilidade de obter a tutela jurisdicional plena, rejeitando assim que o poder de suscitar intervenção judicial seja meramente reactivo, afastando a tese do direito reactivo defendida pelo Prof.Rui Medeiros entre outros.

Uma das características exclusivas do direitos subjectivos apontada pelo professor é a que a protecção jurídica implica que a intervenção judicial dê plena realização ao interesse tutelado.

Por direito subjectivo devem então entender-se quer os direitos criados por actos jurídicos de direito público, quer os direitos constituídos por actos jurídicos de direito privado.

Porém, para o professor, a ordem jurídica pode considerar que certos interesses são merecedores de protecção, embora não com a intensidade que dá origem ao reconhecimento de um direito subjectivo. Este conceito englobaria duas realidades distintas: o interesse indirectamente protegido e o interesse reflexamente protegido, ou por outras palavras, o interesse legitimo e o interesse difuso.

O interesse indirectamente protegido seria aquele que merece protecção imediata da ordem jurídica, mas que está numa posição subalterna em relação a outro interesse quer este seja público ou privado. Também aqui há um interesse imediatamente protegido através da concessão de poderes ou faculdades, como são a possibilidade de reagir contra condutas contrárias ao interesse e de responsabilizar civilmente quem o tiver violado. No entanto, distingue-se dos direitos subjectivos por não haver uma protecção directa e consequentemente não haver uma realização jurisdicional plena (ex: interesse dos cidadãos de salvaguardar a sua saúde quando a lei impõe uma vacinação geral por razões de saúde pública: o interesse primariamente protegido seria o interesse público da saúde pública, mas a lei protege ainda imediatamente, embora indirectamente, o interesse de cada cidadão quanto à sua própria saúde, embora não lhe dando o poder ou faculdade de exigir a vacinação).

Já o interesse reflexamente protegido ou interesse difuso não é objecto de protecção imediata pela lei, resultando a sua protecção de um outro interesse (ex: fabricantes de certo produto beneficiam da proibição de importação desse produto. Porém a ratio da lei não seria protegê-los mas sim proteger fins de interesse público como protecção da concorrência interna ou até protecção da saúde pública. Não é o interesse dos fabricantes que é protegido por lei nos termos imediatos). Nestes casos, os sujeitos têm limitados poderes, que não envolvem nem a sua realização jurisdicional, nem a responsabilização dos violadores. Gozam apenas de legitimidade processual para impugnar o comportamento alheio, fundamentando a impugnação numa eventual ilegalidade.

Para terminar, o Prof.Marcelo Rebelo de Sousa afirma que a distinção entre direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos não pode ser levada em demasia uma vez que estes se distinguem apenas pela pelos graus de tutela conferida pela ordem jurídica e que as diferenças são principalmente de índole quantitativa e não qualitativa, visto que uma situação jurídica absolutamente idêntica do ponto de vista qualitativo é por vezes tratada como direito subjectivo e outras como interesse legalmente protegido (ex: se a administração ocupar sem qualquer titulo a propriedade de um particular, este poderá obter plena tutela jurisdicional e recuperar o bem que lhe foi retirado e estamos assim na presença de um direito subjectivo. Porém, se houver a instauração de um procedimento administrativo expropriatório sobre o mesmo imóvel, o proprietário poderá apenas exigir que lhe o processo se desenrole em observância aos limites legais, estando aqui em causa um interesse legalmente protegido).

Mesmo quando aparentemente idêntica, a tutela jurídica de posições subjectivas dos particulares pode ter intensidades diferentes. Por exemplo, tantos os titulares de direitos subjectivos, como os titulares de interesses legalmente protegidos podem pedir a condenação jurisdicional da administração à prática dos actos legalmente devidos, mas enquanto os titulares de direitos subjectivos podem obter do tribunal uma injunção para a prática de um acto administrativo com um determinado conteúdo, os titulares de interesses legalmente protegidos podem apenas obter uma condenação genérica à emissão de uma decisão de conteúdo indeterminado e a explicitação dos limites que a ordem jurídica lhe impõe (art.71º CPTA). Do mesmo modo, tanto os titulares de direitos subjectivos como os titulares de interesses legalmente protegidos têm a faculdade de responsabilizar civilmente a administração pelos danos que esta lhes cause, porém apenas os primeiros têm o direito à reparação integral da sua situação jurídica, inclusivamente através da reconstituição in natura, os segundos só poderão, em princípio, obter uma compensação pelos danos negativos.

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