terça-feira, 29 de março de 2011

O DIREITO ADMINISTRATIVO NO ESTADO LIBERAL - "FASE DO PECADO ORIGINAL"

Na continuação daquilo que foi esclarecido no comentário anterior, pelo meu colega de grupo José Pedro Soares, a minha parte do trabalho, que visava apresentar e defender o "sistema administrativo francês", consistiu na exposição sumária de algumas características da fase conhecida como o "berço" do Direito Administrativo: o Estado Liberal de Direito.

As revoluções liberais ocorridas entre os séculos XVII e XIX trouxeram consigo não apenas novos ideais, que romperam com a ordem autoritária e repressiva do Antigo Regime, mas também uma nova concepção de Estado e da limitação do seu poder perante as esferas individuais dos cidadãos. No entanto, esta mudança de sistema e de mentalidades não se fez de forma violenta. Pode-se até falar de uma certa continuidade entre os modelos de Estado absoluto e liberal: embora haja a consagração de princípios como o da separação de poderes e a garantia dos direitos individuais, permanece, por outro lado, uma vertente autoritária da Administração e a manutenção de algumas das suas instituições e técnicas administrativas.

No que toca à vertente revolucionária, o Estado Liberal caracteriza-se por:
  1. Afirmação dos direitos fundamentais dos cidadãos - liberdade e propriedade como limites à actuação estadual;
  2. Princípio da separação de poderes, inspirado por Montesquieu - cada função atribuída a um órgão diferente;
  3. Princípio da legalidade - lei como expressão da vontade geral e como limite e fundamento da actividade administrativa;
  4. Separação entre Estado e Sociedade - Estado com fins mínimos, nos quais predominava o da segurança interna e externa, não lhe cabendo qualquer poder de intervenção em matérias sociais ou económicas.
  5. Administração agressiva - O Estado goza de força coactiva: pode restringir os direitos dos cidadãos, reprimindo o excesso de livre iniciativa.
Traços gerais da Administração napoleónica:
  • Concentrada e centralizada - modelo inspirado ainda no Antigo Regime e exportado para o resto da Europa;
  • Acto administrativo como modo quase exclusivo de agir - manifestação da autoridade do Estado contra os particulares;
  • Fiscalização da actividade administrativa pelo sistema de justiça delegada - Há um controlo da administração por uma entidade independente mas com poderes limitados. Tentativa de conciliar os interesses da administração com a protecção dos particulares: por um lado, assegura-se a primazia da Administração, visto que a sua fiscalização é assegurada por um órgão que, apesar de exercer uma função jurisdicional, se integra no poder administrativo; por outro lado, há uma garantia da protecção dos direitos dos cidadãos através da lei e não de meios jurisdicionais. (a lei cria uma área de reserva dos particulares onde a Administração não pode entrar).
  • Esta fase, também denominada a "fase do administrador-juiz", período de promiscuidade entre administração e justiça, foi marcada ainda pelo carácter excepcional da intervenção do Conselho de Estado em matéria contenciosa. O CE só possuía assim competências nos caos previstos na lei,ou seja, o ministro permanecia como juiz do direito comum: o particular expunha, em primeiro lugar, o seu caso ao ministro, que decidia enquanto juiz, e só depois, através de apelação, é que o CE podia intervir. Há desta forma uma diferença entre a visão idílica da teoria liberal e a realidade, ou seja, a de que os tribunais administrativos não eram, na verdade, verdadeiros tribunais.
Após esta análise, podemos ainda assim assinalar múltiplas contradições internas no conjunto jurídico-público do Estado liberal:

  1. Distorção do princípio de separação de poderes - levou paradoxalmente à concentração do poder administrativo e do poder de controlo da administração;
  2. A criação de tribunais administrativos não foi acompanhada pela criação legislativa de um novo ramo de direito;
  3. Por último, incongruências no princípio da legalidade:
  • No âmbito da preferência de lei (proibição da actividade administrativa ir contra o conteúdo da lei) - preferência pela lei parlamentar, não abrangendo a constituição;
  • Quanto à reserva de lei (toda a actividade da administração ter de ser fundamentada em lei) - foi entendida como abrangendo apenas a actuação administrativa que ofendesse a liberdade e a propriedade dos cidadãos, o que deixava à administração uma larga esfera de discricionariedade, livre de qualquer lei, isto é, naquilo que não implicasse ofensa à liberdade e à propriedade, a administração podia actuar como entendesse.

Margarida Sobral, nº140109057

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