quinta-feira, 17 de março de 2011

O Direito Fundamental ao Ambiente da perspectiva da Teoria dos Direitos Subjectivos

Não se ignora mais a ecologia e o Direito ao Ambiente como um problema da actualidade; uma realidade dos nossos dias, que abrange tanto a colectividade e cada um dos indivíduos. A protecção da natureza e do ambiente remonta já à crise do modelo de Estado Providência ou Estado Social, surgido no final do anos 60, cujos sintomas foram agravados com a chamada “crise do petróleo” da década seguinte, que  obrigou, nos anos oitenta e noventa, a uma generalização da consciência da escassez dos recursos naturais e dos limites do crescimento económico que esta impunha. O ambiente constitui nos dias de hoje, portanto, uma questão política e, como tal, necessita de uma solução também ela política, como veio a mostrar a referida crise do Estado Providência.
Como problema político, não pôde deixar de ter, naturalmente, consequências de natureza jurídico-filosófica. No âmbito do tratamento da dimensão jurídica da problemática ambiental, devem ser referidas duas concepções. Segundo alguns autores, o direito ao ambiente, faz parte de uma terceira geração de direitos fundamentais, que surgiu na passagem do século XX para o século XXI, a qual abrange também direitos diversos, como o direito ao desenvolvimento, à participação no património da humanidade, à autodeterminação. Segundo outros, trata-se apenas de um alargamento ou enriquecimento dos direitos fundamentais em face das transformações de que a sociedade actual tem vindo a ser alvo.
Independentemente da posição doutrinal adoptada, é líquido que, hoje, a relevância do ambiente é quase obrigatória ou recorrente em quase todos os novos textos constitucionais. Mesmo nos países, como a Alemanha, onde as Constituições nada prescrevam acerca do ambiente, o princípio de preservação e de defesa do ambiente tem vindo a ser procurado pela jurisprudência e doutrina através de uma depreensão deste a partir de outros princípios ou outros direitos. Assim, fala-se num “direito ao mínimo ecológico de existência”, análogo ao “mínimo social de existência”, que encontra a sua base na ideia da dignidade da pessoa humana, no direito à vida ou nos princípios do Estado social de Direito.
É na sequência desta ideia da relação que se cria entre os indivíduos e os poderes públicos e privados acerca da conservação e fruição de natureza que se pode observar um crescimento da dependência do Direito Administrativo do Direito Constitucional.
A relação jurídica administrativa é, agora, vista como o novo “centro” do Direito Administrativo, ocupa posição pertencente ao acto administrativo na dogmática tradicional por este não ter conseguido abarcar a integralidade do relacionamento da Administração com os particulares. Particulares estes possuem, perante a Administração Pública, direitos subjectivos públicos, que integram o conteúdo de uma relação jurídica administrativa e são uma condição lógica da sua existência. Além disso, os direitos subjectivos constituem fundamento da admissibilidade das referidas relações públicas entre o indivíduo e o Estado (como poder público).
O reconhecimento, ao indivíduo, da titularidade de direitos subjectivos, ou seja, a elevação do indivíduo-”administrado” a “centro de imputação subjectiva de direitos e deveres”, fez com que este deixasse de ser tratado como objecto do poder e fosse transformado num sujeito de direito, em condições de estabelecer relações jurídicas com os órgãos do poder público, onde se pressupõe, a partir do reconhecimento dos direitos fundamentais, um equilíbrio das posições relativas dos particulares e da Administração. Este equilíbrio parte da premissa de o particular deixar de ser a peça integrada numa estrutura que totalmente o transcende, para ser considerado um sujeito de direito autónomo, direito esse que conforma a ligação Estado-cidadão e põe em vigor a dignidade e personalidade da pessoa, constitucionalmente garantida; ou seja, esse reconhecimento, perante as autoridades públicas, traduz-se na protecção jurídica da dignidade da pessoa humana, que é um dos princípios essenciais de um Estado de Direito.
     Assim, a titularidade desses direitos tem como consequência a atribuição, ao particular, da possibilidade de actuação no procedimento para defesa preventiva dos seus direitos perante a Administração, o qual surge como instrumento adequado de conciliação de interesses públicos com os interesses particulares. O procedimento é consagrado e garantido pelos direitos fundamentais, que tanto vinculam o legislador, como a Administração; isto é, por os referidos direitos se reflectirem no procedimento, o legislador tem de o constituir como efectivador dos direitos fundamentais e a Administração tem a seu cargo que ele seja com eles conforme. Desta forma, o contencioso administrativo transforma-se no significado prático dos direitos subjectivos, o qual reside na possibilidade da sua imposição jurisdicional, isto é, num processo que assegure uma tutela efectiva e integral desses direitos, onde se verifique a referida equiparação das posições da Administração e dos particulares, sendo, para isso, fundamental que tanto o indivíduo como a Administração se encontrem igualmente limitados pelo mesmo tribunal.
À medida que o Direito Administrativo foi prosseguindo a sua jornada no caminho da actualidade, os direitos subjectivos públicos, ou seja, as posições de vantagem dos particulares face às autoridades administrativas, sofreram um novo alargamento. A actividade administrativa da actualidade foi alvo de várias transformações, transformações estas decorrentes do surgimento de uma Administração prospectiva ou infra-estrutural, cujas actuações produzem efeitos que vão muito para além dos imediatos destinatários, o que veio a obrigar a recolocar o problema da protecção jurídica dos privados perante a Administração.
Decorria da “teoria da norma de protecção” que o direito subjectivo tinha que ser atribuído pelo legislador ordinário. Isto significa que o indivíduo só era titular de um direito subjectivo em relação à Administração quando fosse intencionalmente concedida pelo legislador uma vantagem objectiva através de uma norma jurídica (que, além de visar a satisfação do interesse público, também abrangesse a protecção dos interesses dos particulares). A referida realidade actual veio a abrir uma crise neste conceito, desencadeada pelo alargamento das fontes criadoras de direitos subjectivos, ultrapassando a tendência do esquecimento de que esses direitos podiam, por exemplo, resultar igualmente da Constituição. A quase exclusiva concentração na legislação ordinária foi bastante evidente no que tocava aos direitos fundamentais: apesar de qualificados como direitos subjectivos, não se fazia deles uso no domínio das relações administrativas - precisamente por se considerar direitos dos particulares apenas os consagrados pelo legislador ordinário.
A, já mencionada, tendência de alargamento dos direitos subjectivos públicos reconhecidos pela jurisprudência (através da actuação crescente dos tribunais administrativos) aos particulares em situação afectadas por actuações da Administração concretizou a reformulação do conceito de direito subjectivo e efectivou a sua extensão a situações em que o particular é juridicamente lesado pela actuação da Administração sem que tenha tido possibilidade de alegar uma norma ordinária concreta que dê imediata cobertura à sua posição. Assim, os direitos fundamentais passam ser directamente aplicados às relações jurídicas administrativas, através da teoria da norma de protecção. Esta interpreta os demais direitos subjectivos à luz dos direitos fundamentais e, para invocar direitos subjectivos de defesa autónomos, recorre à Constituição. Desta forma, além dos casos em que a lei protege objectiva e intencionalmente os interesses dos particulares, devem também ser tidos em consideração todas as situações em que o ordenamento jurídico apenas concede “um mero benefício de facto, decorrente de um direito fundamental”, como partes integrantes do âmbito dos direitos subjectivos.
Direito fundamental é uma forma de realização de interesses das pessoas ou de garantir a dignidade das mesmas e, numa análise perspectivada do direito fundamental ao Ambiente, este visa, para além de perspectiva imediatamente decorrente de satisfazer os interesses das pessoas concretas que hoje vivem, atender, igualmente, aos interesses das gerações futuras. Tal decorre do facto de a população de hoje não ter o direito de gastar todos os recursos (não renováveis) de que a Terra dispõe. Em Portugal, este princípio está constitucionalmente consagrado (quanto ao objectivo da política agrícola) no art. 96º, n.º 1, al. d) o “assegurar o uso e a gestão racionais dos solos e dos restantes recursos naturais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração.” 
O direito ao ambiente consiste, sobretudo, num direito a que as autoridades administrativas se abstenham de agredir a esfera individual protegida através dos direitos fundamentais (que é uma decorrência essencial da qualificação dos direitos fundamentais como direitos subjectivos públicos) e da possibilidade da sua directa invocação no âmbito das relações jurídicas administrativas, como decorre do disposto nos arts. 17º e 18º/1 da CRP, segundo os quais, o direito ao ambiente possui uma vertente análogo aos direitos, liberdades e garantias gozando, como tal, do respectivo regime jurídico.
As referidas normas não esgotam, de todo, a contemplação, pela Constituição, da matéria ambiental; entre as várias existentes, na medida do relevante para a análise em questão, importa referir o art. 9º, al. e), que estabelece, entre as tarefas fundamentais do Estado, “proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território”; para garantir esses direitos e interesses, o art. 52º, n.º 3 confere a “todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa”, o direito a promover a prevenção, cessação ou perseguição judicial de infracções contra a degradação do ambiente e da qualidade de vida ou a degradação do património cultural, bem como de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização. Quanto à defesa do ambiente, esta está também consagrada no art. 91º, ao estabelecer que os planos de desenvolvimento económico e social deverão ter por objectivo, entre outros, a preservação do equilíbrio ecológico e, expressamente, “a defesa do ambiente”. 
Dos preceitos extraem-se importantes consolidações da exposição teórica feita anteriormente. O não-exclusivo das entidades públicas na efectivação dos direitos, por o Estado fazer “apelo” e dar “apoio a iniciativas particulares”, é um dos exemplos de direitos subjectivos que podem ser extraídos do direito fundamental ao ambiente; ou seja, apesar de ser tarefa do Estado no exercício da sua tarefa administrativa, os particulares (organizados em associações de defesa do ambiente ou em organizações de moradores, por exemplo), podem também eles reclamar o direito que lhes é constitucionalmente atribuído. Os direitos atinentes ao ambiente são direitos de autonomia ou de defesa das pessoas perante os poderes, públicos e sociais, que os condicionam ou envolvem.
Podemos depreender que a protecção do ambiente tornou-se uma tarefa inevitável do Estado moderno, mas que o tratamento jurídico do ambiente não se reduz a uma tarefa meramente Estadual; o surgimento da “consciência ecológica” dos cidadãos levou a uma transmissão dessa tarefa para a esfera dos direitos individuais, passando a considerar as normas reguladoras do ambiente como não apenas destinadas à protecção do interesse público, mas também à protecção dos interesses dos particulares que são, desta forma, titulares de direitos subjectivos públicos. No disposto no art. 66º, n.º 1 da CRP declara-se o direito a todos a um “ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado”, através da (n.º 2 do mesmo artigo) actuação do Estado por meio de organismos próprios e concedendo os já referidos apoios a iniciativas populares.
Os direitos fundamentais permitem, portanto, tanto a defesa do indivíduos do seu estatuto constitucional contra eventuais violações ilegais por parte dos poderes públicos sob formas jurídicas, como a actuação desses mesmos poderes públicos no sentido do necessário facilitismo da concretização desses mesmos direitos.
A mais adequada via para a protecção do Ambiente decorre da lógica da protecção jurídica individual, partindo dos direitos fundamentais, e considerando que as normas reguladores do ambiente se destinam também à protecção dos interesses dos particulares, que esta forma, são titulares de direitos subjectivos públicos. A necessidade da integração da preservação do ambiente numa protecção jurídica subjectiva passa pelo recurso aos direitos fundamentais, pela consagração de um direito fundamental ao ambiente, como forma de garantia, perante agressões ilegais provenientes tanto de entidades públicas (ou privadas), da defesa e protecção constitucional adequada da esfera jurídica individual.

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