segunda-feira, 18 de abril de 2011

A participação dos particulares no procedimento administrativo e o direito de audiência

A participação dos cidadãos no procedimento decisório da Administração adquire, na actualidade, uma importância considerável. Não só significa que a Administração deixa de ser observada como autoritária e auto-suficiente (contribuindo para a sua democratização ou, nas palavras de Sepe, uma Administração de serviço), mas permitindo também que a participação de particulares seja uma forma de controlo da acção administrativa, face à sua complexidade e crescimento. Trata-se, no fundo, de refutar a ideia de uma Administração Orwelliana (na medida em que controla e decide pelos administrados), reconhecendo-se que esta participação permita que se tomem medidas baseadas numa correcta ponderação de interesses (públicos e privados), bem como a facilidade de aceitação pelos destinatários. Há, portanto, um duplo sentido de participação de particulares no procedimento Administrativo: a própria participação no processo de formulação de decisões e a necessidade da Administração de criar órgãos representativos de diferentes interesses ou sectores de actividade.

O sentido da participação de particulares no procedimento Administrativo não é consensual: uns entendem que esta participação tem como fim a melhoria e a facilitação da tomada de decisões (tese objectivista), enquanto outros qualificam aquela participação como meio de defesa das posições dos particulares em face da Administração (tese subjectivista).

No que concerne à primeira, trabalhada fundamentalmente na doutrina italiana, acrescenta aos direitos subjectivos dos particulares a ideia de recurso a interesses difusos, colectivos. Sendo este um termo de difícil caracterização, certo sector da doutrina propõe o entendimento do conceito de interesse difuso como um “tertium genus”, situando-se entre as noções de direito subjectivo e interesse legítimo. É, no entendimento de Gabrielli, uma posição indiferenciada [conferida] a qualquer sujeito, que não resulta, em concreto, titular relativamente ao conjunto de sujeitos envolvidos na fruição de um mesmo bem comum. Não se trata, portanto, de uma relação directa entre o titular de um direito e a Administração, mas sobretudo do empenho desta e do particular na busca por uma decisão administrativa que satisfaça o interesse público, sem colidir com o direito dos indivíduos. Esta ideia verifica-se de forma clara nos processos de massa (típicos de uma Administração Infra-estrutural), no qual participam os que são susceptíveis de poder sofrer um prejuízo fruto de uma determinada vontade administrativa. Existem ainda outras correntes que evidenciam a importância de atender ao Princípio da Imparcialidade, como forma de garantir que a completude do procedimento administrativo só se verificará se forem atendidos os interesses dos particulares. Aliás, Vasco Pereira da Silva sublinha a importância do dever de ponderação como dever da Administração de considerar todos os interesses relevantes no procedimento, considerando que a preterição desta regra acarreta, não um problema de índole formal (como defendem alguns), mas um vício material, já que não houve uma ponderação razoável dos interesses em questão. De resto, esta ideia de inspiração subjectivista pode conduzir ao pedido de invalidade material da decisão tomada.

No que tange à teoria subjectivista, considera-se que, na possibilidade de as medidas da Administração afectarem determinados interesses particulares, existe um direito fundamental destes à audição no procedimento. É, de facto, uma garantia de protecção das posições jurídicas dos cidadãos, complementado com direitos e deveres de natureza procedimental. Uma característica fundamental desta linha subjectivista é o reconhecimento do direito de audiência, através do qual aqueles que mantêm uma relação directa com a Administração vêem os seus interesses ouvidos. No entanto, e este é um traço objectivista dentro da teoria subjectivista, deve ser alargado este direito a ser ouvido a potenciais afectados pela actuação administrativa. É neste ponto que se deve esclarecer a existência de diferentes graus no que interessa à participação de particulares no procedimento, à luz deste entendimento de protecção dos direitos fundamentais contra a actuação da Administração. São eles divididos entre as partes necessárias (autor da iniciativa, autoridade decisora, destinatários do acto) e partes interessadas possíveis ou eventuais (aqueles cujos interesses podem vir a ser afectados pela actuação administrativa, no domínio de uma relação jurídica multilateral, como se caracterizou num outro texto no blog acerca do Estado Pós-Social).

Finalmente, a última questão a que nos propomos referir prende-se com o caso português. É, no entendimento de Vasco Pereira da Silva, um regime que consagra a ideia subjectivista, com traços de cariz objectivista. É garantida a participação dos particulares no procedimento, garantindo-se assim nos arts. 267,nº5 e 17º CRP e arts. 7º e 8ºCPA aquele direito fundamental, bem como é considerado sob o ponto de vista da Administração a intervenção dos privados (art. 7º CPA). No entanto, sublinhe-se mais uma vez, a orientação do nosso ordenamento jurídico é subjectivista, pelo que o particular colabora com a Administração, mas não se confunde com ela; ele é um sujeito activo, titular de interesses próprios, e dos correspondentes direitos subjectivos, que faz valer através da sua intervenção no procedimento. E a relevância objectiva não é tanto a da defesa de um interesse colectivo, mas sim o da defesa de interesses dos particulares no procedimento.

É neste âmbito que se situa um importante meio de satisfação dos direitos dos particulares face à Administração – o direito de audiência que, no caso português, vem previsto no art. 267,nº5 CRP e 100º e ss. CPA. Seguindo a estrutura referida por Freitas do Amaral, dir-se-ia que se passou do Estado Orwelliano, no qual a Administração conhece, por si só, os interesses dos particulares e os resolve através de um procedimento que carece de participação suficiente por parte dos interessados, para uma Administração à qual se exige que tome uma decisão tendo por base a apreciação dos indivíduos envolvidos. Todavia, a Administração age segundo regras contidas nos artigos do CPA referidos, nomeadamente no que respeita ao fornecimento de todas as informações sobre as razões do provável sentido da decisão, no dever de respeitar o prazo legal, na possibilidade de optar entre audiência escrita e oral (é uma decisão discricionária (art.100º CPA) e à ideia de contraditório e contra-argumentação como forma de resposta do particular à provável vontade administrativa. Freitas do Amaral recorre ao seguinte esquema faseado: primeiro, a Administração deve fundamental o seu projecto de decisão; apresentar os motivos pelos quais recusou a audiência do interessado (art. 103º CPA), se assim o fez; por último, explicar por que razões não atende à reclamação do particular. A preterição de algum dos requisitos enunciados conduzirá à anulabilidade ou à nulidade (que nos parece mais defensável, tendo em conta que qualquer fase do procedimento violada incorrerá simultaneamente na violação de uma disposição fundamental – 267,nº5 CRP).


Aproveito para desejar umas óptimas e merecidas férias a todos!

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Na passada aula de terça-feira estivemos a analisar o tema do procedimento administrativo como alternativa ao acto administrativo, enquanto “centro” do Direito Administrativo.

Com efeito, a dogmática clássica fazia do acto administrativo o “centro” do Direito Administrativo. Porém, hoje, perante a desmultiplicação das formas de actuação administrativa, que vão desde contratos públicos, a planos, passando por regulamentos e actividades cada vez mais técnicas, é necessário encontrar um “novo centro”, isto é, encontrar um novo conceito, a partir do qual se estruture todo o Direito Administrativo.

Alguns autores, como Nigro, Cassese, Pstori, Pericu, Pugliese, Trimarchi, Chiti ou Cardi, entendem que esse “novo centro” deve ser o procedimento administrativo. Basicamente, esta doutrina italiana defende que «quer quando a Administração actua de forma não autoritária, quer quando o acto administrativo se inscreve no âmbito de uma relação administrativa mais complexa, o elemento comum dessas modalidades de relacionamento entre a Administração e os privados é o procedimento» (Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 2003).

Referida a importância actual do procedimento, enquanto “pilar” do Direito Administrativo, vamos agora concretizá-la um pouco mais, através do estudo de um caso em concreto.

O caso que vos proponho é o do procedimento administrativo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA). Este procedimento é um instrumento jurídico de natureza preventiva, fundado na realização de estudos e consultas, com efectiva participação pública e com análise de alternativas possíveis. Tem por objectivo a recolha de informações e a identificação e previsão dos efeitos ambientais de determinados projectos, públicos ou privados; assim como, a identificação e proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem esses mesmos efeitos. Sendo que, em última análise, tem-se em vista a tomada de decisão sobre a viabilidade de execução de tais projectos e a respectiva pós-avaliação.

A Administração Pública tem um importante papel na prevenção do ambiente. Nenhum projecto pode ser licenciado sem prévia consideração ambiental, isto é, todos os projectos em curso de autorização ou aprovação têm de ser devidamente avaliados e tidos em conta no momento de decidir sobre se são, efectivamente, autorizados ou aprovados, ou não.

É com base nesta preocupação em garantir que potenciais impactes ambientais não sejam “descurados”, que se justifica a existência de um procedimento administrativo de Avaliação de Impacte Ambiental.

À semelhança de outros procedimentos administrativos, a AIA envolve diversas fases procedimentais.
Vamos, então, passar a analisá-las:
1ªfase: elaboração do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) – esta fase corresponde à “iniciativa”, que, no caso, pode partir de um particular, definido nos termos da alínea p) do artigo 2º do Decreto-Lei nº69/2000. Naturalmente que este Estudo de Impacte Ambiental terá de ser apresentado à autoridade administrativa competente para o procedimento. No documento que contenha o referido Estudo de Impacte Ambiental descrever-se-á sumariamente o projecto que se pretende licenciar e apresentar-se-á um conjunto de elementos, constantes do anexo III do Decreto-Lei nº nº69/2000, relativos aos materiais a utilizar, à energia, aos factores ambientais eventualmente afectados, aos mecanismos técnicos de prevenção e valorização ou reciclagem dos resíduos gerados…

2ªfase: apreciação técnica pela comissão de avaliação – a comissão técnica tem, de acordo com o já mencionado Decreto-Lei nº69/2000, um prazo para se pronunciar sobre a conformidade do EIA. Desta apreciação podem decorrer uma de duas consequências: o encerramento do procedimento administrativo em análise, em virtude de uma declaração de desconformidade do EIA, ou a manutenção do procedimento, se, em vez de uma declaração de desconformidade, for emitida uma declaração de conformidade com o EIA;

3ªfase: participação pública – sendo emitida uma declaração de conformidade com o EIA pela comissão de avaliação, a autoridade competente na AIA fará um anúncio público do projecto em causa, a fim de que os particulares interessados possam exercer o seu direito de participação;

4ªfase: declaração de impacte ambiental – esta é a última fase de todo o procedimento administrativo de Avaliação de Impacte Ambiental. Depois de decorridas todas as fases previstas na lei, a autoridade competente para o procedimento terá de emitir uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA). Esta declaração ou é favorável e o projecto avança, porque mediante uma declaração favorável a entidade administrativa competente para o licenciamento, depois de notificada, licenciá-lo-á; ou é desfavorável e, nesse caso, o projecto “morre” ali.


Como podemos constatar a importância do procedimento, nos nossos dias, é fulcral. Porque não só permite à Administração ponderar, prever, calcular e minimizar riscos, como permite que os particulares interessados possam ser chamados a se manifestar.
Todas estas fases descritas têm um propósito, o de garantir aquilo a que a Constituição da República Portuguesa, no nº1 do seu artigo 66º, consagra, isto é, um «ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado». Mas, em última análise, há um outro propósito que não é negligenciado. E esse é, sem dúvida, o de evitar o arbítrio das decisões administrativas.
Hoje, a Administração não é mais uma Administração que agride os direitos dos particulares; é, antes, uma Administração que é forçada a fazer intervir os destinatários das decisões, na tomada das mesmas, é uma Administração que não toma as decisões sozinha; é, em suma, uma Administração que, agindo de modo imparcial, prossegue o único fim que a lei lhe comete, o fim de interesse público.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O dever de boa administração num plano europeu e literário

I - A doutrina tem discutido o significado do dever de boa administração e tem concluído, como referiu a minha colega Inês Correia, pelo esvaziamento do conceito, na medida em que os princípios que o compõem têm vindo a ser autonomizados. Ademais, diz-se tratar-se de um "dever jurídico imperfeito", de âmbito "intra-administrativo". No entanto, entendo que se deve interpretar aquele dever à luz dos princípios que decorrem de normas europeias, nomeadamente o artigo 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Se o fizermos, não só identificamos um conceito que, apesar de composto de vários princípios, não só não desaparece como aqueles princípios se tornam indissociáveis. Finalmente, note-se que este documento tem a mesma força legal das normas dos Tratados da União Europeia, segundo o Tratado de Lisboa, vinculando os Estados-Membros ao seu cumprimento (artigo 51º da mesma Carta), o que ilustra bem o âmbito de aplicação daquele preceito - não se trata de uma mera aplicação moral do dever de boa administração, mas sim jurídica.

II - E na prática, como é que se aplica este artigo 41º? Recorremos a um exemplo retirado d' "O Castelo" de Franz Kafka, embora sublinhando a ideia de que a aplicação daquele artigo se reporta ao quadro da União Europeia. A narrativa descreve uma Administração excessivamente burocratizada, pesada, asfixiante, materializada na imagem de um castelo situado numa determinada vila. K., personagem principal, fora contratado como agrimensor (profissional que mede e divide propriedades rurais e urbanas) e, chegado à vila, tenta perceber quando, como e em que condições pode exercer o seu trabalho (embora sem sucesso), através de sucessivos requerimentos a entidades administrativas integradas no referido castelo. Nesta metáfora da Administração, o seu processo vai continuamente passando de gabinete em gabinete, de secção em secção, de responsável em responsável, mas a resolução do seu problema permanece insolúvel. Sem dar qualquer explicação, a Administração oferece-lhe um emprego de qualidade menor, para o qual não tinha preparação.

III- Depois de apresentado um exemplo de comportamento da Administração, como é que actuaria o artigo 41º da Carta de forma a resolver o problema do nosso protagonista, K.? O nº1 obriga a que os assuntos sejam tratados dentro de um prazo razoável (para além da forma imparcial e equitativa - será que o castelo procedeu do mesmo modo relativamente a outros particulares?), o que não se verificou no nosso caso. Já o nº2 vem estabelecer o direito a audição do particular antes de ser tomada uma medida a seu respeito, que o afecte desfavoravelmente (K. não foi ouvido antes da atribuição do novo emprego); o direito de acesso aos processos a ele referentes (o que não se verifica, dada a dificuldade em contactar a entidade administrativa responsável pelo seu problema, permanecendo sem resposta); a obrigação de fundamentação de decisões (que não se verifica, já que a Administração age sem qualquer justificação, nem em relação à demora de tomada de uma decisão, nem no que tange à sua decisão de empregar K. noutro local). E poder-se-ia especular se se estaria a prosseguir o interesse público no caso concreto, mediante comparação entre uma hipotética norma legal e uma actuação administrativa desconforme com esta.

É a morosidade e a actuação injustificada da Administração (que se observa pela lentidão como é tratado o assunto de K.) que este direito, do qual resulta um dever para a Administração (o referido dever de boa administração) visa impedir. Assim sendo, estabelece o nº3 o direito à reparação dos danos causados pelas instituições ou agentes no exercício das respectivas funções. Concluindo, é neste direito que assiste a K. que se funda o dever de actuação da Administração de forma célere, proporcional, justa e equitativa.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O Dever de Boa Administração. O que significa e que relevância jurídica tem?

I – O princípio da prossecução do interesse público:

Um dos mais importantes princípios constitucionais sobre o poder administrativo é o da prossecução do interesse público.

Como bem salienta o Prof. Sérvulo Correia (vide, Os Princípios Constitucionais da Administração Pública, p. 662) o interesse público é um conceito “cuja evidência intuitiva não facilita em muito a definição”. Tendemos a identificá-lo com o bem comum ou com o interesse geral de determinada comunidade.

O Prof. Freitas do Amaral aponta, entre os vários colorários deste princípio, o chamado dever de boa administração (vide, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 1ª Ed., p. 38 e ss.). Daí que tenha sido este o nosso ponto de partida.

II – O Dever de Boa Administração:

Qual é, afinal, o sentido deste dever de boa administração? Ele parece traduzir-se na obrigação de prosseguir o interesse público apontando, em cada caso concreto, as soluções mais eficientes, expeditas e racionais, quer de um ponto de vista técnico, quer de uma perspectiva financeira.

Este princípio de eficiência/boa administração está expressamente previsto, para o sector público empresarial, no art. 81º/c) CRP e o CPA não deixa de o estender a toda a actividade da Administração Pública no seu 10º artigo.

A relevância prática e jurídica deste dever tem sido posta em causa. Para o Prof. Freitas do Amaral, trata-se de um dever jurídico imperfeito, porque não é assistido de sanção jurisdicional: não cabe aos tribunais aferir o mérito das decisões administrativas.

Hoje em dia, a tendência tem sido para autonomizar certos deveres específicos, que costumava considerar-se integrados no dever de boa administração. É o que acontece com o dever de tomar decisões administrativas equilibradas, que hoje se entende decorrer do princípio da proporcionalidade e que assim deixa de ser um mero dever sem sanção.

Neste sentido, cada vez mais se considera que o dever de boa administração é conceito que se vem esvaziando, tanto do ponto de vista prático, como do ponto de vista jurídico.

Maria Inês Silva Magalhães Correia | 140109001

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Princípios constitucionais que enquadram o ordenamento jurídico administrativo

O Princípio da Prossecução do Interesse Público (art. 266º/1 CRP, e art. 5º CPA)

O “interesse público” é o interesse colectivo, é o interesse geral de uma determinada comunidade, é o bem-comum.
A noção interesse público traduz uma exigência – a exigência de satisfação das necessidades colectivas.
Este princípio tem numerosas consequências práticas, das quais importa citar as mais importantes:
1)      Só a lei pode definir os interesses públicos a cargo da Administração: não pode ser a administração a defini-los.
2)      Em todos os casos em que a lei não define de forma complexa e exaustiva o interesse público, compete à Administração interpretá-lo, dentro dos limites em que o tenha definido.
3)      A noção de interesse público é uma noção de conteúdo variável. Não é possível definir o interesse público de uma forma rígida e inflexível
4)      Definido o interesse público pela lei, a sua prossecução pela Administração é obrigatória.
5)      O interesse público delimita a capacidade jurídica das pessoas colectivas públicas e a competência dos respectivos órgãos: é o chamado princípio da especialidade, também aplicável a pessoas colectivas públicas.
6)      Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinado de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante, o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente.
7)      A prossecução de interesses privados em vez de interesse público, por parte de qualquer órgão ou agente administrativo no exercício das suas funções, constitui corrupção e como tal acarreta todo um conjunto de sanções, quer administrativas, quer penais, para quem assim proceder.
8)      A obrigação de prosseguir o interesse público exige da Administração Pública que adopte em relação a cada caso concreto as melhores soluções possíveis, do ponto de vista administrativo (técnico e financeiro): é o chamado dever de boa administração.



O Princípio da Legalidade (art. 266º/2 CRP e art. 124º/1-d CPA)

O princípio da legalidade aparece definido de uma forma positiva. Diz-se que a Administração Pública deve ou não deve fazer, e não apenas aquilo que ela está proibida de fazer.
O princípio da legalidade, cobre e abarca todos os aspectos da actividade administrativa, e não apenas aqueles que possam consistir na lesão de direitos ou interesses dos particulares.
A lei não é apenas um limite à actuação da Administração é também o fundamento da acção administrativa.
A regra geral, não é o princípio da liberdade, é o princípio da competência. Segundo o princípio da liberdade, pode fazer-se tudo aquilo que a lei não proíbe; segundo o princípio da competência, pode fazer-se apenas aquilo que a lei permite.

Na actualidade e no Direito português, são duas as funções do princípio da legalidade.
a)      Por um lado, ele tem a função de assegurar o primado do poder legislativo sobre o poder administrativo;
b)      Por outro lado, desempenha também a função de garantir os direitos e interesses legítimos dos particulares.


Conteúdo, objecto, modalidades e efeitos do princípio da legalidade
a)      Conteúdo: no âmbito do Estado Social de Direito, o conteúdo do princípio da legalidade abrange não apenas o respeito da lei, em sentido formal ou em sentido material, mas a subordinação de Administração Pública, a todo o bloco geral.

b)      Objecto: todos os tipos de comportamento da Administração Pública, a saber: o regulamento, o acto administrativo, o contrato administrativo, os simples factos jurídicos.
A violação da legalidade por qualquer desses tipos de actuação gera ilegalidade.

c)      Modalidades: o princípio da legalidade comporta duas modalidades:
(i)    Aparência de lei, consiste em que nenhum acto de categoria inferior à lei pode contrariar a lei, sob pena de ilegalidade;
(ii)  Reserva de lei, consiste em que nenhum acto de categoria inferior à lei pode ser praticado sem fundamento na lei;

d)      Efeitos: distingue-se, (1) efeitos negativos, são dois: nenhum órgão da Administração, mesmo que tenha sido ele o autor da norma jurídica aplicável, pode deixar de respeitar e aplicar normas em vigor; qualquer acto da administração que num caso concreto viole a legalidade vigente é um acto ilegal, e portanto inválido (nulo ou anulável, conforme os casos). (2) Efeitos positivos, é a presunção de legalidade dos actos da Administração.

Isto é, presume-se em princípio, que todo o acto jurídico praticado por um órgão da administração é conforme à lei até que se venha porventura a decidir que o acto é ilegal. Só quando o Tribunal Administrativo declarar o acto ilegal e o anular é que ele considera efectivamente ilegal.


Excepções ao Princípio da Legalidade

Comporta três excepções: a teoria do estado de necessidade, teoria dos actos políticos, o poder discricionário da Administração.

A Teoria do Estado de Necessidade, diz que em circunstâncias excepcionais, em verdadeira situação de necessidade pública, a Administração Pública, se tanto for exigido pela situação, fica dispensada de seguir o processo legal estabelecido para circunstâncias normais e pode agir sem forma de processo, mesmo que isso implique o sacrifício de direitos ou interesses dos particulares.

Quanto à Teoria dos Actos Políticos, ela não é em rigor uma excepção ao princípio da legalidade. Segundo ela, os actos de conteúdo essencialmente político, os actos materialmente correspondentes ao exercício da função política – chamados actos políticos ou actos do governo –, não são susceptíveis de recurso contencioso perante os Tribunais Administrativos.

O Poder Discricionário da Administração, não constitui, de modo nenhum, uma excepção ao princípio da legalidade, mas um modo especial de configuração da legalidade administrativa. Com efeito, só há poderes discricionários aí onde a lei os confere como tais. E, neles, há sempre pelo menos dois elementos vinculativos por lei – a competência e o fim.


O Princípio do Respeito Pelos Direitos e Interesses Legítimos dos Particular (art. 266º/1 CRP)

Estão em causa os direitos e interesses legítimos de todos os sujeitos de direito.
      A prossecução do interesse público não é o único critério da acção administrativa, nem tem um valor ou alcance ilimitados. Há que prosseguir, sem dúvida, o interesse público, mas respeitando simultaneamente os direitos dos particulares.
Embora o princípio da legalidade continue a desempenhar essa função, o certo é que se conclui entretanto que não basta o escrupuloso cumprimento da lei por parte da Administração Pública para que simultaneamente se verifique o respeito integral dos direitos subjectivos e dos direitos legítimos dos particulares.
Essas outras formas de protecção que existem para além do princípio da legalidade, são muito numerosas. Destacam-se as mais relevantes:
-         Estabelecimento da possibilidade de suspensão jurisdicional da eficácia do acto administrativo (isto é, paralisação de execução prévia);
-         Extensão do âmbito da responsabilidade da Administração por acto ilícito culposo, não apenas aos casos em que o dano resulte de acto jurídico ilegal, mas também aos casos em que o dano resulte de factos materiais que violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devem ser sentidas em consideração pela Administração Pública;
-         Extensão da responsabilidade da Administração aos danos causados por factos casuais, bem como por actos ilícitos que imponham encargos ou prejuízos especiais e anormais aos particulares.
-         Concessão aos particulares de direitos e participação e informação, no processo administrativo gracioso, antes de tomada de decisão final (art. 61º/1 - Direito dos interessados à informação - os particulares têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam directamente interessados, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas).
-         Imposição do dever de fundamentar em relação aos actos administrativos que afectem directamente aos interesses legítimos dos particulares.

A Administração Pública, por vezes, aparece-nos como autoridade, como poder, a impor sacrifícios aos particulares; a esta administração chama a doutrina alemã, administração agressiva, porque ela “agride” os direitos e interesses dos particulares.
Noutros casos, a Administração Pública aparece-nos como prestadora de serviços ou como prestadora de bens, nomeadamente quando funciona como serviço público. Aqui a Administração não aparece agredir a esfera jurídica dos particulares, mas pelo contrário, a protegê-la, a beneficiá-la, a ampliá-la.
Sérvulo Correia, diz que, tratando-se da promoção do desenvolvimento económico e social ou da satisfação das necessidades colectivas, quer dizer, tratando-se da tal administração de prestação, enquanto realidade diferente da administração agressiva, não é necessário o princípio da legalidade como fundamento da administração da acção administrativa. Pela nossa parte não concordamos com esta opinião, parte-se da opinião dos que entendem que o princípio da legalidade, na sua formulação moderna, cobre todas as manifestações da administração de prestação, e não apenas as da administração agressiva. Isto porque, em primeiro lugar, e à face da nossa Constituição, o art. 199º-g, só é aplicável ao governo e a mais nenhum órgão da Administração Pública (art. 226º/2 CRP).
É preciso ter presente, que também na esfera própria da chamada “administração de prestação” podem ocorrer violações dos direitos dos particulares, ou dos seus interesses legítimos, por parte da Administração Pública.
Mesmo na esfera própria da chamada “administração de prestação” podem ocorrer violações de direitos ou interesses legítimos de particulares, o que exige que também nessa esfera se entenda que o princípio da legalidade deve funcionar em toda a sua plenitude.
Por outro lado, a administração constitutiva ou administração de prestação nem sempre pode beneficiar todos os particulares, ou beneficiá-los todos por igual.
Para se assumir como prestadora de bens e serviços, a Administração Pública precisa muitas vezes de sacrificar os direitos ou interesses dos particulares.
A ideia de administração de prestação, ao serviço do desenvolvimento económico e da justiça social, não é dissociável da ideia de sacrifício de direitos ou interesses legítimos dos particulares.
Para realizar uma administração de prestação é necessário quase sempre que a Administração empregue dinheiros públicos saídos do Orçamento do Estado. Mas o emprego de dinheiros públicos, a realização de despesas públicas, tem de se fazer à custa da aplicação de receitas públicas.
Para que a Administração Pública possa dar, possa actuar fazendo despesas, ela tem de dispor previamente de uma lei administrativa que a tanto a legalidade desdobra-se na necessidade de respeitar tanto a legalidade administrativa como a legalidade financeira, não é possível pois, conceber uma administração constitutiva ou de prestação sem ter na sua base, e como seu fundamento, a legalidade.
Resumindo e sintetizando as considerações anteriores, no domínio das actividades da administração constitutiva ou de prestação, prescindir da submissão ao princípio da legalidade, na sua acepção moderna, seria abandonar uma das mais importantes e das mais antigas regras de ouro do Direito Administrativo, que é a de que só a lei deve poder definir o interesse público a cargo da Administração. Quem tem de definir o interesse público a prosseguir pela administração é a lei, não é a própria Administração Pública. Mesmo no quadro da administração de prestação, mesmo quando se trate de conceder um direito, ou de prestar um serviço, ou de fornecer bens aos particulares, a administração só o deve poder fazer porque, e na medida em que está a prosseguir um interesse público definido pela lei.
Se se abandonar este princípio, a actividade administrativa perderá a sua legitimidade e não haverá mais nenhuma forma de garantir eficazmente a moralidade administrativa. Só há desvio de poder quando a Administração Pública se afasta do interesse público que a lei lhe definiu.


A Distinção Entre Direito Subjectivo e Interesses Legítimo

Existem interesses próprios dos particulares, porque esses interesses são protegidos directamente pela lei como interesses individuais, e porque, consequentemente, a lei dá aos respectivos titulares o poder de exigir da Administração o comportamento que lhes é devido, e impõe à Administração a obrigação jurídica de efectuar esse comportamento a favor dos particulares em causa, o que significa que se esses comportamentos não forem efectuados, os particulares dispõem dos meios jurídicos, designadamente dos meios jurisdicionais, necessários à efectiva realização dos seu direitos.
E, o que é um interesse legítimo? Para que exista interesse legítimo é necessário:
-         Que exista um interesse próprio de um sujeito de Direito;
-         Que a lei proteja directamente um interesse público;
-         Que o titular do interesse privado não possa exigir-lhe que não prejudique esse interesse ilegalmente;
-         Que a lei, não impondo à Administração que satisfaça o interesse particular, a proíba de realizar o interesse público com ele conexo por forma ilegal;
-         E que, em consequência disto, a lei dê ao particular o poder de obter a anulação dos actos pelos quais a Administração tenha prejudicado ilegalmente o interesse privado.
Que vantagens há em que a lei reconheça interesses legítimos, se após o recurso contencioso tudo pode ficar na mesma? As vantagens são duas: quem sofreu ilegalmente um prejuízo tem possibilidade de afastar esse prejuízo ilegal; afastado o prejuízo ilegal, o titular do interesse tem uma nova oportunidade de ver satisfeito o seu interesse.
Trata-se, portanto, de uma situação de vantagem em que os particulares se encontram perante a Administração, mas obviamente inferior, em termos de vantagem, àquela que ocorre no caso do Direito Subjectivo.
Há interesse legítimo, porque a obrigação de respeitar a legalidade que recai sobre a Administração pode ser invocada pelos particulares a seu favor, para remover as ilegalidades que os prejudiquem e para tentar em nova oportunidade a satisfação do seu interesse, na certeza de que, ao tentá-lo, na pior das hipóteses, se esse interesse acabar por ser insatisfeito ou prejudicado, essa insatisfação ou esse prejuízo terão sido impostos legalmente, e não já ilegalmente, como da primeira vez.
Tanto na figura do Direito Subjectivo como na do interesse público legítimo, existe sempre um interesse privado reconhecido e protegido pela lei. Mas a diferença está em que no Direito Subjectivo essa protecção é directa e imediata, de tal modo que o particular tem a faculdade de exigir à Administração Pública um comportamento que satisfaça plenamente o seu interesse privado. Ao passo que no interesse legítimo, porque a protecção legal é meramente indirecta ou reflexa, o particular tem apenas a faculdade de exigir à Administração um comportamento que respeita a legalidade.
No Direito Subjectivo, o que existe verdadeiramente é um direito à satisfação de um direito próprio; no interesse legítimo, o que existe é apenas um direito à legalidade das decisões que versem sobre um interesse próprio.


Alcance Prático da Distinção Entre Direito Subjectivo e Interesse Legítimo

Pode-se indicar cinco categorias de efeitos para os quais é relevante, no Direito português, a distinção entre Direito Subjectivo e interesse legítimo, são eles:

a)      Retroactividade das leis: a Constituição, no seu art. 18º/3, proíbe a retroactividade da lei se se tratar de leis restritivas de Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos, mas não se proíbe a retroactividade da lei se se tratar de leis restritivas de interesses legítimos. Por conseguinte, é importante saber que uma lei retroactiva que pretenda ser restritiva de direitos subjectivos é inconstitucional, mas se for restritiva de interesses legítimos a sua retroactividade não é inconstitucional.

b)      Política administrativa: a actividade policial é uma actividade de natureza administrativa, é um dos ramos da administração pública. Resulta do art. 272º CRP que as actividades de natureza policial estão limitadas pelos direitos dos cidadãos, mas não pelos seus interesses legítimos.

c)      De acordo com os princípios gerais do Direito Administrativo, é em princípio proibida a revogação de actos administrativos constitutivos de direitos: a lei em relação aos actos constitutivos de direitos, diz que salvo se forem ilegais esses actos não podem ser revogados. Diferentemente, os actos constitutivos de interesses legítimos em princípio são revogáveis.

d)      Execução das sentenças dos Tribunais Administrativos: se uma sentença anula um acto administrativo ilegal, daí resulta para a administração o dever de executar essa sentença reintegrando a ordem jurídica violada.



O Princípio da Igualdade (art. 13º e 266º/2 CRP e art. 124º/1-d do CPA)

Obriga a Administração Pública a tratar igualmente os cidadãos que se encontram em situação objectivamente idêntica e desigualmente aqueles cuja situação for objectivamente diversa.


  O Princípio da Boa Fé (art. 6º-A do CPA)

Sobressaem, porém, os dois limites negativos que ele coloca à actividade administrativa pública:
a)      A Administração Pública não deve atraiçoar a confiança que os particulares interessados puseram num certo comportamento seu;
b)      A Administração Pública também não deve iniciar o procedimento legalmente previsto para alcançar um certo objectivo com o propósito de atingir um objectivo diverso, ainda que de interesse público.


O Poder Discricionário da Administração

A regulamentação legal da actividade administrativa umas vezes é precisa outras vezes é imprecisa.
Umas vezes diz-se que a lei vincula totalmente a Administração. A Administração não tem qualquer margem dentro da qual possa exercer uma liberdade de decisão. O acto administrativo é um acto vinculado.
Outras vezes, a lei praticamente nada diz, nada regula, e deixa uma grande margem de liberdade de decisão à Administração Pública. E é a Administração Pública que tem de decidir, ela própria, segundo os critérios que em cada caso entender mais adequados à prossecução do interesse público.
Tem-se portanto, num caso actos vinculados, no outro caso actos discricionários.
Vinculação e discricionariedade são assim, as duas formas típicas pelas quais a lei pode modelar a actividade da Administração Pública.
Duas perspectivas diferentes têm sido adoptadas pela doutrina: a perspectiva dos poderes da Administração ou a perspectiva dos actos da Administração.
Focando a primeira perspectiva – a dos poderes –, julga-se correcta a definição dada pelo Prof. Marcello Caetano, que é a seguinte: “o poder é vinculado na medida em que o seu exercício está regulado por lei. O poder será discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titular, deixando-lhe liberdade de escolha do procedimento a adoptar em cada caso como mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere”.
Se adoptarmos a segunda perspectiva – a dos actos –, diremos, de uma forma mais simplificada, que os actos são vinculados quando praticados pela Administração no exercício de poderes vinculados, e que são discricionários quando praticados no exercício de poderes discricionários.
Quase todos os actos administrativos, são simultaneamente vinculados e discricionários. São vinculados em relação a certos aspectos, e discricionários em relação a outros.
Nos actos discricionários há um outro aspecto que é sempre vinculativo, que é o fim do acto administrativo. O fim do acto administrativo é sempre vinculado.
A discricionariedade não é total, a discricionariedade respeita à liberdade de escolher a melhor decisão para realizar o fim visado pela norma. A norma que confere um poder discricionário confere-o para um certo fim: se o acto pelo qual se exerce esse poder for praticado com a intenção de prosseguir o fim que a norma visou, este acto é ilegal; se o acto for praticado com um fim diverso daquele para que a lei conferiu o poder discricionário, o acto é ilegal. Porque o fim é sempre vinculado no poder discricionário.
A decisão a tomar no exercício do poder discricionário é livre em vários aspectos, mas não é nunca quanto à competência, nem quanto ao fim a prosseguir.
Em rigor, não há actos totalmente discricionários. Todos os actos administrativos são em parte vinculados e em parte discricionários.
Só há poder discricionário quando, e na medida em que, a lei o confere.
O poder discricionário, como todo o poder administrativo, não é um poder inato, é um poder derivado da lei: só existe quando a lei confere e na medida em que a lei o confira.
O poder discricionário é controlável jurisdicionalmente: há meios jurisdicionais para controlar o exercício do poder discricionário.

Existem três teses doutrinárias sobre a natureza do poder discricionário da Administração:
a)      A tese da discricionariedade como liberdade da Administração na interpretação de conceitos vagos e indeterminados usados pela lei;
b)      A tese da discricionariedade como vinculação da Administração a normas extra-jurídicas, nomeadamente regras jurídicas, para que a lei remete;
c)      E a tese da discricionariedade como liberdade de decisão da Administração no quadro das limitações fixadas por lei.

a) A primeira tese: discricionariedade como liberdade da Administração na interpretação de conceitos vagos e indeterminados: Esta concepção parte da observação correcta de que a lei usa muitas vezes conceitos vagos e indeterminados, deixando ao intérprete e aos órgãos de aplicação a tarefa de concretizar esses conceitos vagos e indeterminados, ex. art. 409º CA.
Mas quando é que uma situação real da vida corresponde ao conceito abstracto usado na lei? Duas orientações possíveis:
-         A primeira: consiste em dizer que só a Administração está em condições de saber se um dado caso concreto é ou não um caso extrema urgência e necessidade pública e se por conseguinte, esse caso exige ou não a tomada de providências excepcionais como as que o art. 409º faculta.
-         A segunda: consiste em dizer que, se existem ou não os pressupostos de competência excepcional, nos termos do art. 409º do CA, essa decisão não pode deixar de ser susceptível, mais tarde de apreciação jurisdicional por um Tribunal Administrativo, porque saber se uma dada situação concreta se reconduz ou não a um conceito legal, não é matéria que faça parte do poder discricionário da Administração, é uma questão de administração contenciosa e não de administração pura.

Quanto a nós, é esta segunda orientação que está certa. O poder discricionário é um poder jurídico, que resulta da lei, e que consiste na faculdade de opção livre por uma de entre várias soluções possíveis dentro dos limites traçados pela própria lei. Ora os conceitos vagos ou indeterminados, embora sejam vagos e indeterminados, são limites estabelecidos pela lei – que por isso mesmo demarca por fora a esfera da discricionariedade. No poder discricionário é a vontade da Administração que prevalece: a lei como que delega na Administração e espera dela que afirme livremente a sua vontade, decidindo como melhor entender.
A interpretação da lei, visa apurar a vontade da lei ou do legislador, a discricionariedade visa tornar relevante, nos termos em que a lei o tiver consentido, a vontade da Administração.
Só perante cada lei administrativa, devidamente integrada, se pode apurar se ela quis seguir a orientação objectiva ou subjectiva, isto é, se a lei quis ou não vincular a Administração, e submeter o respeito dessa vinculação ao controle do Tribunal Administrativo.

O critério geral a adoptar deve ser o seguinte:
a)      Se expressões como as indicadas forem utilizadas pela lei como forma de limitar os poderes da Administração, deve entender-se que a lei perfilhou o sentido objectivo e que portanto, o controle jurisdicional é possível.
b)      Se as mesmas expressões forem usadas pela lei apenas como forma de descrever os poderes da Administração, sem intenção limitada, deva entender-se que a lei optou pelo sentido subjectivo e que, portanto, o controle jurisdicional está excluído.

b) Segunda tese: discricionariedade como vinculação da Administração a normas extra-jurídicas, nomeadamente regras técnicas para que a lei remete: Entendem os defensores desta corrente de opinião que no poder discricionário à Administração pela lei, o que há é pura e simplesmente isto: a lei remete o órgão administrativo para a aplicação de normas extra-jurídicas.
O que a lei pretende, quando confere poderes discricionários à Administração, não é que a lei se comporte arbitrariamente, é sim que a Administração se sinta vinculada por normas extra-jurídicas e procure, para cada caso concreto, a melhor solução do ponto de vista técnico, ou financeiro, ou científico, ou moral, ou administrativo, etc.
Esta tese não é aceitável, isto porque:
Ou se trata de casos em que a lei formalmente remete para normas extra-jurídicas – e aí não há discricionariedade, há vinculação. Há uma vinculação jurídica a normas extra-jurídicas, sendo estas relevantes e obrigatórias para a Administração porque a lei as fez suas, as incorporou na ordem jurídica, e impôs à Administração que as respeitasse. Estaremos então completamente fora dos domínios do poder discricionário.
Ou se trata de casos em que a Administração decidiu exercer o seu poder discricionário de acordo com normas extra-jurídicas – e aqui, sim, estamos dentro do campo próprio da discricionariedade, mas não há qualquer remissão por parte da lei para normas extra-jurídicas. Por hipótese, foi a Administração que no uso do seu poder discricionário decidiu livremente guiar-se por determinados critérios, a que a lei, aliás, a não tinha vinculado.

c) A terceira tese: discricionariedade como liberdade de decisão da Administração no quadro das limitações fixadas por lei: para esta outra concepção, enfim, a discricionariedade é uma liberdade de decisão que a lei confere à Administração a fim que esta, dentro dos limites legalmente estabelecidos, escolha de entre as várias soluções possíveis aquela que lhe parecer mais adequada ao interesse público.
É esta concepção que perfilhamos, tal como faz, de resto, a generalidade da doutrina portuguesa e estrangeira.
Acentue-se que, para que exista um poder discricionário, é indispensável:
-         Que ele seja conferido por lei, a qual deve indicar pelo menos o órgão a quem atribui e o fim de interesse público que o poder se destina a prosseguir;
-         Que por interpretação da lei, estejam já delimitadas todas as vinculações legais a respeitar pela Administração no exercício do poder discricionário;
-         E que, o sentido da norma legal atributiva do poder discricionário seja claramente o de conferir à Administração o direito de escolher livremente, segundo os critérios que ela própria entender seguir, uma entre várias soluções possíveis.
Não haverá poder discricionário propriamente dito se um poder jurídico conferido por lei à Administração, ainda que em termos de aparente liberdade de decisão, houver de ser exercido em termos tais que o seu titular não se devia considerar autorizado a escolher livremente entre várias soluções possíveis, mas antes obrigado em consequência a procurar a única solução adequada que o caso comporte. É o que se passa nos casos de discricionariedade imprópria.
Limites
Pode ser limitado de duas formas diferentes: ou através do estabelecimento de limites legais, isto é, limites que resultam da própria lei, ou através da chamada auto-vinculação.
Os limites legais, são aqueles que resultam da própria lei. Pode haver limites de que decorram de auto-vinculação. No âmbito da discricionariedade que a lei conferiu à Administração, essa pode exercer os seus poderes de duas maneiras diversas:
-         Pode exercê-los caso a caso, adoptando em cada caso a solução que lhe parecer mais ajustada ao interesse público.
-         A Administração pode proceder de outra maneira: na base de uma previsão do que poderá vir a acontecer, ou na base de uma experiência sedimentada ao longo de vários anos de exercício daqueles poderes, a Administração pode elaborar normas genéricas em que enuncia os critérios a que ela própria obedecerá na apreciação daquele tipo de casos.
Se a Administração faz normas que não tinha a obrigação de fazer, mas fez, então deve obediência a essas normas, e se as violar comete uma ilegalidade.
Nos casos em que exista, o poder discricionário só pode ser exercido dentro dos limites que a lei para ele estabelecer, ou dentro dos limites que a Administração se tenha relativamente imposto a si mesma.

Controle do Exercício do Poder Discricionário

a)      Os controles de legalidade, são aqueles que visam determinar se a administração respeitou a lei ou a violou.
b)      Os controles de mérito, são aqueles que visam avaliar o bem fundado das decisões da Administração, independentemente da sua legalidade.
c)      Os controles jurisdicionais, são aqueles que se afectam através dos Tribunais.
d)      Os controles administrativos, são aqueles que são realizados por órgãos de Administração.

O controle da legalidade em princípio tanto pode ser feito pelos Tribunais como pela própria Administração, mas em última análise compete aos Tribunais.
O controle de mérito só pode ser feito, no nosso País, pela Administração.
No mérito do acto administrativo se compreendem duas ideias: a ideia de justiça e a ideia de conveniência.
A Justiça é a adequação desse acto à necessária harmonia entre o interesse público específico que ele deve prosseguir, e os direitos e os interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados pelo acto.
Quanto à Conveniência do acto, é a sua adequação ao interesse público específico que justifica a sua prática ou necessária harmonia entre esse e os demais interesses públicos eventualmente afectados pelo acto.
Os poderes conferidos por lei a Administração são vinculados, ou discricionários, ou são em parte vinculados e em parte discricionários.
O uso de poderes vinculados que tenham sido exercidos contra a lei é objecto dos controles da legalidade.
O uso de poderes discricionários que tenham sido exercidos de modo inconveniente é objecto dos controles de mérito.
A Legalidade de um acto administrativo pode ser sempre controlada pelos Tribunais Administrativos, e poderá sê-lo eventualmente pela administração. O Mérito de um acto administrativo só pode ser controlado pela administração, nunca pelos Tribunais.
Os actos discricionários, são sempre também em certa medida praticados no uso de poderes vinculados, podem ser atacados contenciosamente com fundamento em qualquer dos vícios do acto administrativo. Assim:
-         Podem ser impugnados com fundamento em incompetência;
-         Podem ser impugnados com fundamento em vício de forma;
-         Podem ser impugnados com fundamento em violação da lei;
-         E podem ainda ser impugnados com fundamento em quaisquer defeitos da vontade, nomeadamente erro de facto, que é o mais frequente.

O “desvio de poder” não é, como normalmente se diz, a única ilegalidade possível no exercício de poderes discricionários fora do seu fim.
O reforço do controle jurisdicional do poder discricionário da Administração não será nunca obtido em larga escala pelo canal de desvio de poder, mas antes através do alargamento dos casos de incompetência, vício de forma e violação de lei no plano do exercício de poderes discricionários.

Figuras Afins do Poder Discricionário

a)      Interpretação de conceitos vagos ou indeterminados: a interpretação é uma actividade vinculada, não é uma actividade administrativa.
b)      Remissão da lei para normas extra-jurídicas: se é a própria que nos seus dispositivos expressamente remete para normas extra-jurídicas, não estamos no terreno da “discricionariedade técnica”, estamos sim no campo da vinculação.

Casos de “Discricionariedade Imprópria”
a)      Liberdade probatória.
Consideramos serem três os casos principais a incluir nessa categoria:
-         A “liberdade probatória”;
-         A “discricionariedade técnica”;
-         A “justiça administrativa”.
A “liberdade probatória”, é quando a lei dá à Administração a liberdade de, em relação aos factos que hajam de servir de base à aplicação do Direito, os apurar e determinar como melhor entender, interpretando e avaliando as provas obtidas de harmonia com a sua própria convicção íntima.
Nestes casos não há discricionariedade, porque não há liberdade de escolha entre várias soluções igualmente possíveis, há sim uma margem de livre apreciação das provas com obrigação de apurar a única solução correcta.

 b) A “Discricionariedade Técnica”
Casos há em que as decisões da Administração só podem ser tomadas com base em estudos prévios de natureza técnica e segundo critérios extraídos de normas técnicas. O “dever de boa administração”.
Duas observações complementares:
A primeira para sublinhar que a figura da discricionariedade técnica, não se confunde com a liberdade probatória. Embora ambas se reconduzam a um género comum – o da discricionariedade imprópria –, a verdade é que se trata de espécies diferentes. Porque a discricionariedade técnica reporta-se à decisão administrativa, ao passo que a liberdade probatória tem a ver com a apreciação e valoração das provas relativas aos factos em que se há-de apoiar a decisão.
Há, todavia, um caso limite, em que, por excepção a esse princípio geral, a nossa jurisprudência admite a anulação jurisdicional de uma decisão técnica de Administração: é a hipótese de a decisão administrativa ter sido tomada com base em erro manifesto, ou segundo um critério ostensivamente inadmissível, ou ainda quando o critério adoptado se revele manifestamente desacertado e inaceitável. O Tribunal Administrativo pode anular a decisão tomada pela Administração – embora não possa nunca substitui-la por outra mais adequada.

c) A “Justiça Administrativa”
A Administração Pública, no desempenho da função administrativa, é chamada a proferir decisões essencialmente baseadas em critérios de justiça material.
A Administração Pública não pode escolher como quiser entre várias soluções igualmente possíveis: para cada caso só há uma solução correcta, só há uma solução justa.
Mas esta terceira modalidade, a justiça administrativa, não é apenas a mistura entre liberdade probatória e discricionariedade técnica. Há um terceiro ingrediente neste tipo de decisões da Administração Pública, que faz a especificidade desta terceira categoria, e que é o dever de aplicar critérios de justiça. Critérios de justiça absoluta, e de justiça relativa



Os princípios da Justiça e da Imparcialidade

O Princípio da Justiça, significa que na sua actuação a Administração Pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados.

Princípio da justiça “strictu senso”: segundo este princípio, todo o acto administrativo praticado com base em manifesta injustiça é contrário à Constituição e, portanto, é ilegal, podendo ser anulado em recurso contencioso pelo Tribunal Administrativo competente.
 
   Princípio da proporcionalidade: vem consagrado no art. 18º/2 da CRP, a propósito dos Direitos, Liberdades e Garantias: a lei ordinária só os pode restringir nos casos expressamente previstos na Constituição, “devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direito ou interesses constitucionalmente protegidos”. Também vem referido no art. 5º do CPA. O princípio da proporcionalidade proíbe, pois, sacrifício excessivo dos direitos e interesses dos particulares, as medidas restritivas devem ser proporcionais ao mal que pretendem evitar. Se forem desproporcionadas, constituirão um excesso de poder e, sendo contrárias ao princípio da justiça, violam a Constituição e são ilegais.


O Princípio da Imparcialidade consagrado no art. 266º da CRP e no art. 6º do CPA, significa, que a Administração deve comportar-se sempre com isenção e numa atitude de equidistância perante todos os particulares, que com ela encontrem em relação, não privilegiando ninguém, nem discriminando contra ninguém. A Administração Pública não pode conferir privilégios, só a lei o pode fazer; e também não pode impor discriminações, só a lei o pode também fazer.
Este princípio da imparcialidade tem os corolários seguintes:
a)      Proibição de favoritismo ou perseguições relativamente aos particulares;
b)      Proibição de os órgãos da Administração decisões sobre assuntos em que estejam pessoalmente interessados;
c)      Proibição de órgãos da Administração ou por ela aprovados ou autorizados.

Casos de impedimento, art. 44º CPA, a lei obriga o órgão ou agente da Administração a comunicar a existência de impedimento. A comunicação deve ser feita a superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial, conforme for o caso. Se isto não for feito qualquer interessado poderá requerer a declaração de que existe um impedimento.
Deve o órgão em causa suspender imediatamente a sua actividade até à decisão do incidente.
Casos de escusa ou suspeição, são situações em que não existe proibição absoluta de intervenção absoluta mas em que esta deve ser excluída por iniciativa do próprio titular do órgão ou agente – a escusa – ou do cidadão interessado – a suspeição (art. 48º CPA).
Sanção, nenhuma das normas anteriormente referidas teria grande eficácia se não estivesse prevista a sanção aplicável no caso de elas não serem cumpridas.