quinta-feira, 31 de março de 2011

Caros colegas;

Para quem não foi à aula de quinta- feira, na qual se resolveu o primeiro caso prático (que foi publicado pela Margarida) pretende-se que resolvam para a aula de terça o seguinte caso:

Suponha que uma lei atribui à agência portuguesa do âmbiente a competência para conceder ajudas financeiras no montante máximo de 500 mil euros, a empresas que desenvolvam projectos de aproveitamento de energia solar e que requeiram a respectiva ajuda até ao final do ano corrente. O orgão máximo da agência portuguesa do ambiente, APA, concedeu à empresa A uma ajuda financeira no valor de 250 mil euros. Quanto à empresa B, o respectivo órgão máximo em causa, considera que o pedido deve vir a ser indeferido pois a mesma apenas se dedica ao desenvolvimento de energia eólica.
Porém, o ministro da economia, amigo de longa data do presidente da empresa B, considera que a ajuda financeira não deve ser dada à empresa A mas sim à empresa B. Assim, revoga o acto de atribuição de 250 mil euros à empresa A e ordena à agência portuguesa do ambiente que a fim de evitar problemas futuros, altere a data de entrada do requerimento da mesma empresa para data posterior ao termo do prazo para o pedido de ajuda financeira. Em relação à empresa B o ministro ordena à APA, que atribua uma empresa fnanceira no valor de 750 mil euros.

Bom Trabalho!

Caso prático I - Princípios fundamentais da actuação administrativa

O Director da Faculdade de Letras praticou os seguintes actos:

a) Tendo Ana um rendimento mensal de 2500€, considero que se trata de uma estudante em situação de grave carência económica, a atribuo uma bolsa de estudo mensal no valor de 500€.

b) Bernardo, que tem um rendimento mensal de 500€, encontra-se em situação de grave carência económica. Atribuo-lhe assim uma bolsa de estudo de 500€.

Nota: Sabe-se porém que Bernardo tem 5000€ de rendimento mensal.

c) Catarina tem um rendimento mensal de 1250€, logo, não pode ser considerada em situação de grave carência económica. O pedido é assim indeferido.

Nota: Contudo, Catarina tem avultadas despesas fixas com três menores a seu cargo e com um ascendente com graves problemas de saúde, facto esse que deu a conhecer antecipadamente ao Director da Faculdade.

d) A Diogo, estudante que se tem destacado pelas brilhantes notas, é-lhe atribuída a bolsa de estudo de 1250€, para que possa continuar o bom desempenho.

e) A Eduardo, estudante carecido, atribuo uma bolsa de estudo de 1250€.

Nota: O Director tem uma relação especial de amizade com o pai de Eduardo.

Tudo isto é atribuído no âmbito de uma norma legal que permite ao director ter o poder de atribuir aos alunos com elevadas carências económicas uma bolsa de estudo no montante adequado.
O dever de boa administração e o direito a uma boa administração

A análise do “dever de boa administração” não está, nem pode estar, dissociada do princípio da prossecução do interesse público. E isto porque, o referido “dever de boa administração”, antes de mais nada, se impõe à Administração, quando esta prossegue tudo quanto se considere “interesse público”.

Dito isto, é conveniente começar por compreender o alcance do princípio da prossecução do interesse público, consagrado no nº1 do art.º266º da Constituição da República Portuguesa: «A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos».

Na tentativa de esclarecer o que se entende por “interesse público”, podemos dizer que ele constitui um elemento teleológico que determina a acção administrativa e, por isso, corresponde à finalidade dessa acção. Podemos encontrá-lo definido na Constituição ou na lei ordinária, porém é à Administração que, em concreto, compete a sua determinação.

A definição do que seja o “interesse público” não é unívoca. É que se autores como São Tomás de Aquino ou Aristóteles caracterizavam o “interesse público” como algo que ia variando em função da compreensão cultural da comunidade onde se integrava, não tendo, portanto, um conteúdo fixo. Aliás dizia-se que o “interesse público” era «o interesse geral de uma determinada comunidade, o bem-comum» e o “bem-comum” corresponderia «àquilo que fosse necessário para que os homens não apenas vivam, mas vivam bem».

Já autores como Jean Rivero consideram necessário acrescentar à ideia de “interesse público” como interesse colectivo, a exigência de que ele satisfaça as necessidades colectivas.

O Professor Freitas do Amaral, tentando densificar ainda mais o conceito de “interesse público”, propõe uma série de “requisitos”.
Para este autor, o “interesse público”é, desde logo, definido, via de regra, pela lei (lei aqui em sentido amplo). Além disso, o “interesse público” tem conteúdo variável, o que hoje é fim de “interesse público”, amanhã pode já não o ser; é, sempre, de prossecução obrigatória pela Administração, isto é, uma vez determinado em concreto, com o contributo interpretativo da Administração Pública, o interesse público tem de ser prosseguido.
É também o “interesse público” que delimita a capacidade jurídica das pessoas colectivas públicas e a competência dos respectivos órgãos e que constitui o motivo determinante de qualquer acto da Administração.
Portanto, considerando que a Administração não pode prosseguir interesses próprios opostos aos interesses colectivos da comunidade, nem quaisquer interesses privados dos titulares dos órgãos que, em cada momento, exercem a actividade administrativa, e admitindo que, como já fico claro, definido que está o “interesse público” ele torna-se de prossecução obrigatória, resta à Administração encontrar as melhores soluções possíveis para o realizar.

É aqui que “entra” o dever de boa administração ou, dito de outra forma, o princípio da eficiência administrativa.

O “dever de boa administração” significa que a Administração Pública tem o dever de procurar as soluções mais ajustadas ao interesse público, seja na perspectiva de meios técnicos, seja na perspectiva de meios financeiros, e, não admira, que o dever de boa administração convoque o, já mencionado, princípio da eficiência administrativa.
Segundo este princípio, os objectivos ou finalidades definidos na lei, isto é, os interesses públicos, devem ser concretizados ao menor custo, em termos de recursos naturais, humanos e financeiros.
Ora este princípio da eficiência está bem patente não apenas no art.º10º do Código do Procedimento Administrativo, quando estabelece que «A Administração Pública deve ser estruturada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões», como também na alínea c) do art.º81º da CRP, neste caso a propósito do Sector Público Empresarial.

Se, até agora temo-nos debruçado sobre o “dever de boa administração”, é preciso não esquecer o “direito a uma boa administração” que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra, isto porque, segundo o nº1 do art.º41º, «Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável».
Pergunta-se, então, qual a utilidade deste direito se, no nosso ordenamento jurídico, já estava consagrado o “dever de boa administração”?
Com efeito, hoje a Administração Pública, no quadro jurídico em que nos inserimos (quadro do Direito da União Europeia), não pode negligenciar os princípios, as regras, os deveres que, muito para além do Direito interno, lhe são impostos. O preceituado no art.º41º da CDFUE vem acrescentar algo ao que já existia a nível interno.

Para a doutrina clássica, o dever de boa administração era um “dever imperfeito”, isto é, não comportava uma sanção jurisdicional. Vejamos, a título de exemplo, o que sustenta o Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Diz o Professor que «a violação do dever de boa administração pode dar lugar à revogação, modificação ou substituição de actos ou regulamentos administrativos pelos órgãos para tal competentes, bem como fundamentar a utilização de meios administrativos de impugnação por partes dos particulares. Pode despoletar o exercício de poderes de intervenção interorgânicos ou intersubjectivos. Pode também ser tomado em consideração para efeitos de classificação de funcionários, designadamente para efeitos de promoção por mérito, bem como para efeitos de responsabilidade disciplinar dos funcionários e agentes públicos e de responsabilidade estatutária dos gestores públicos. Pode ainda relevar para efeitos de determinação da culpa do titular de órgão ou agente na responsabilidade civil contratual e extracontratual da administração pública perante terceiros. (…) pode ainda ter consequências extrajurídicas, por exemplo a responsabilidade política de um concreto órgão administrativo perante um colégio eleitoral ou outro órgão público».
Contudo, quer o Professor Marcelo Rebelo de Sousa quer o Professor Freitas do Amaral admitem que «não é possível ir a tribunal obter a declaração de que determinada solução não era a mais eficiente ou racional do ponto de vista técnico, administrativo ou financeiro, e portanto deve ser anulada: os tribunais só podem pronunciar-se sobre a legalidade das decisões administrativas, e não sobre o mérito dessas decisões».

Sem pôr de parte esta dimensão do “dever de boa administração”, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia veio reconhecer aos particulares: o direito a serem ouvidos antes de, a seu respeito, ser tomada qualquer medida individual que os afecte desfavoravelmente; e ainda, o direito de acesso aos processos que se lhes refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial. Veio também estabelecer a obrigação, por parte da Administração, de fundamentar as suas decisões, quaisquer que elas sejam. E nisto se traduz o “direito a uma boa administração”.

Mais do que assegurar a eficiência administrativa, mais do que garantir que a Administração faz uma escolha racional dos recursos escassos, importa salvaguardar o interesse dos particulares, daí que, nos termos do nº3 do art.º41º da CDFUE, se consagre que «Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da União, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros».

Mais do que um dever é um direito!!

quarta-feira, 30 de março de 2011

O Estado Pós-Social

Depois dos textos dos meus colegas acerca das vantagens do “Sistema Administrativo Francês”, apresento o último capítulo da nossa apresentação, referente ao Estado Pós-Social. Optei por escrever um texto que compreendesse o panorama geral da situação actual, na medida em que as diferenças entre os sistemas vão-se esbatendo ao longo do tempo. A partir da década de 70, assiste-se ao esgotamento do Estado Social, tendo contribuído factores de diversa ordem: económica, social, política. O modelo económico Keynesiano, que havia inspirado a doutrina económica das décadas anteriores, torna-se ineficaz, fruto do engrandecimento e da excessiva burocratização do Estado (um aparelho “pesado e moroso”). Para além disso, existe uma desproporção considerável entre as contribuições dos indivíduos e as prestações recebidas do Estado, sendo que o Estado cede frequentemente a situações de “corrupção e compadrio”. Finalmente, não se deve esquecer a desideologização dos cidadãos (cada vez mais alheios aos fenómenos de natureza política), bem como ao aparecimento de novas preocupações (as ambientais, por exemplo). Pelo que se demonstrou, era urgente renovar-se aquela concepção de Estado-Prestador. Não se trata de uma verdadeira morte do Estado, mas do aparecimento de um novo modelo da Administração, comummente designado de Infra-Estrutural, Prospectivo ou Planificador. Ligada a esta concepção, surge um aparente paradoxo entre a afirmação do valor do indivíduo e a necessidade de o proteger face ao poder, e, como refere Parejo Afonso, “a insistência em valores de solidariedade social”, que envolvem a “cobertura colectiva de riscos”, bem como a resolução colectiva de “velhos e novos problemas sociais com o objectivo de justiça social”. Face a esta situação, como procurou a Administração resolver esta questão? Primeiro, através da “adaptação das estruturas e modelos de organização administrativos”: ao Estado deixa de pertencer o monopólio da prossecução do interesse público, alargando a colaboração a privados e grupos sociais. Segundo, e como consequência do que se afirmou supra, devolve-se aos indivíduos a importância primordial nas suas relações com a Administração. São os direitos dos particulares o centro da relação entre estes e a Administração, renovando esta o controlo jurisdicional de “tutela efectiva e protecção integral” daqueles direitos (vejam-se, por exemplo, os artigos 211º e ss. e 268º, nº4 e 5 CRP, que consubstanciam, na Constituição, esta nova acepção de Estado). Na prática, a actuação da Administração desenvolve-se em dois planos, que partilham a mesma consequência: a complexificação da sua actuação ultrapassando os cânones tradicionais, não se incluindo nem na Administração agressiva nem na prestadora. Se, por um lado, a Administração recorre a actos genéricos, de carácter geral (como as decisões-plano), por outro, assiste-se à proliferação de actos individuais, cujo alcance não se resume aos indivíduos a eles vinculados, mas também a terceiros não envolvidos directamente naquela relação jurídica. É o que acontece, por hipótese, numa autorização de construção de uma fábrica (cujos efeitos se prolongarão para os habitantes da região, não se confinando ao proprietário e à sua relação jurídica com a Administração). Assim sendo, podemos afirmar que os instrumentos colocados à disposição do Estado revelam a preocupação de agir de acordo com uma ponderação “que melhor salvaguarde os direitos subjectivos e os interesses em presença”. É esta procura de “instrumentos novos” que se traduz na função prospectiva do Estado. Feita uma primeira análise da situação actual da Administração, consideramos importante caracterizar, de forma breve, o Estado Pós-Social (seguindo, neste ponto, a enumeração proposta por Vasco Pereira da Silva na obra “Em busca do acto administrativo perdido”. Um aspecto fundamental hoje é a multilateralidade. Significa que a actuação da Administração projecta-se para além da relação bilateral entre órgãos decisores e privados, abrangendo outros sujeitos. Não só o Estado, como se exemplificou anteriormente, deve ponderar os interesses de terceiros quando toma uma decisão individual, dada a repercussão que esta pode ter na esfera jurídica de outros sujeitos, como deve acautelar os interesses dos indivíduos aquando da sua actuação no âmbito da direcção da economia (é o caso, como diz o autor, do aumento da taxa de reserva obrigatória no caso dos bancos, na medida em que essa decisão não afectará apenas aquelas entidades, mas também os próprios particulares). Logo, é legítimo apelidar este conjunto de formas de actuação “heterogéneas” (porquanto envolvem medidas de carácter público e privado, unilaterais e negociais) como “actuação administrativa informal”. No fundo, como sustenta Brohm, a diferença em relação à Administração agressiva e prestadora é a da “multilateralidade” da Administração de Infra-estruturas. E é esta nova atitude que permite a intersecção da actuação do Estado com novas áreas do Direito Público (por exemplo, o Direito Social e da Saúde). Uma outra característica é a necessidade de alargamento da protecção jurídica subjectiva perante a Administração. Destarte, de modo a salvaguardar as posições jurídicas de terceiros, alarga-se a ideia de direito subjectivo (numa linha subjectivista) ou defende-se a tutela de interesses difusos (corrente objectivista). No entanto, tendo em consideração que esta querela foi aprofundada por outros colegas, remetemos o esclarecimento para os seus textos (aliás, bastante elucidativos!) sobre o assunto. A Administração, em consonância com o período transacto, vai pautar a sua actuação pelo estável e prolongado relacionamento com os privados, não se esgotando numa acção única. Pelo contrário, intensifica-se o carácter duradouro das relações administrativas, como prova (neste ponto utilizamos o exemplo de Nigro) o Direito do Urbanismo, onde o nexo existente entre o plano urbanístico e a licença de construção implica que a posição do particular em relação à licença se encontre “pré-determinada”, antecipada e duradouramente, pelos actos de planificação. Por último, sublinhando a característica da multilateralidade, nota-se um esbatimento da diferenciação entre meios de actuação genéricos e individuais, na medida em que, quer os planos-gerais quer as medidas singulares não se associam facilmente às clássicas formas de actuação da Administração: os primeiros, porque, voltando a Brohm, constituem um fim a atingir num processo constitutivo, cuja prossecução permite um conjunto determinado de instrumentos à sua escolha; as segundas, já que a dimensão individual é hoje ultrapassada, como se explicou, pelo alargamento da abrangência do acto a outros particulares, terceiros na relação jurídica. Para finalizar, uma palavra acerca do Contencioso Administrativo neste período. Em rigor, dever-se-ia falar em dois sub-períodos: o da Constitucionalização e o da Europeização. No que respeita ao primeiro, destacamos dois momentos históricos – a constitucionalização de uma Justiça Administrativa (“jurisdicionalizada e subjectiva”, como refere Pereira da Silva n’ “O Contencioso Administrativo no divã da psicanálise”) pela Constituição de Bona de 1947 na Alemanha, antecipando-se assim aos demais países europeus (uma mudança marcada, entendemos, pela necessidade de romper com o passado totalitário, protegendo os direitos subjectivos dos indivíduos na sua relação com o Estado. Num segundo momento histórico, importa salientar o caso francês que já impunha à Administração o respeito pelas leis. Todavia, como refere o autor d’ “O contencioso…”, somente nos anos 80 é que se vai assistir a decisões do Tribunal Constitucional no sentido de garantir explicitamente as garantias subjectivas dos indivíduos. No que tange ao segundo sub-período, o da Europeização, pode dizer-se que existe uma dupla consequência deste fenómeno: por um lado, uma dependência Administrativa do Direito Europeu, na medida em que só pode ser concretizado através de normas e instituições de Direito Administrativo ao nível estadual, de cada um dos países; por outro, ocorre uma dependência europeia do Direito Administrativo, através da aproximação entre os ordenamentos jurídicos e sistemas nacionais, sob a égide de um direito único no espaço europeu. Assim terminamos esta exposição sobre o Estado Pós-Social e as suas diferenças em relação aos períodos anteriores. Todavia, deve-se atentar neste ponto: o Direito Administrativo, como qualquer ramo do Direito, vai sofrendo alterações no decurso do tempo. Logo, vivendo numa altura de constantes mudanças, não é insensato alertar para a possibilidade de, num futuro próximo, assistirmos a mais mutações na forma de actuar da Administração, bem como na sua relação com os particulares!
Caros "blogers" Peço desculpa pela forma como publiquei o meu texto, mas é suposto lê-lo da seguinte forma: começam a ler no primeiro post (que termina com as palavras "(...) decisões judiciais..."), depois lêem o segundo post (que começa em "Ou seja, mais do que a um princípio de legalidade (...)" e acaba em "(...) situações de impedimento e as situações de suspeição."), seguidamente lêem o terceiro post (que tem início em "Qual a diferença (...) " e termina com "(art.º51º do CPA). "), por fim lêem o último post (que se inicia em "Resta apenas falar (...)" e acaba em "(...) aleatória e, consequentemente, injusta."). Mais uma vez peço desculpa para a próxima vou ver se publico de outra forma. Obrigada
Resta apenas falar da vertente positiva do princípio da imparcialidade. Esta vertente impõe que os titulares dos órgãos ou agentes ponderem exaustivamente todos os interesses em presença, isto é, que procurem detectar todos os interesses com relevo para a decisão e, de seguida, os ponderem um a um, com o mesmo grau de rigor comparativo.
Em suma, e como refere o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, a «obrigação de ponderação comparativa implica um apreciável limite à discricionariedade administrativa, não só pela exclusão que comporta de qualquer valoração de interesses estranhos à previsão normativa, mas principalmente porque o real poder de escolha da autoridade pública só subsiste onde a protecção legislativa dos vários interesses seja de igual natureza e medida». A ausência de ponderação inevitavelmente viciará a decisão, tornando-a aleatória e, consequentemente, injusta.
Qual a diferença entre as situações de impedimento e as situações de suspeição?
Existindo uma situação de impedimento, torna-se, por lei, obrigatória a substituição do titular do órgão ou do agente administrativo normalmente competente por outro que tomará a decisão no seu lugar. Quer isto então dizer que, o titular do órgão ou o agente tem o dever jurídico de se considerar impedido sempre que esteja numa das situações previstas pela lei como situações de impedimento (art.º44º nº1 do CPA); e deve comunicá-lo imediatamente ao seu superior hierárquico ou ao órgão colegial a que pertença ou de que dependa, para que este decida sobre se há ou não impedimento (art.º45º do CPA). E, das duas uma, ou há impedimento e o titular do órgão ou o agente “impedido” é substituído, ou não há impedimento e o titular do órgão ou o agente “supostamente impedido” tem legitimidade para decidir a questão (art.º47º do CPA).
Se, em vez de uma situação de impedimento, existir uma situação de suspeição, a lei estabelece a obrigatoriedade de o titular do órgão ou o agente administrativo normalmente competente ser substituído por outro que tomará a decisão no seu lugar. A diferença entre uma situação de suspeição e uma situação de impedimento é que, enquanto que num impedimento é automaticamente obrigatória a substituição, numa suspeição não.

Numa situação de suspeição, a substituição é apenas possível, tendo de ser requerida pelo próprio titular do órgão ou pelo agente que pede escusa de participar naquele procedimento, ou pelo particular que opõe uma suspeição àquele titular do órgão ou agente e pede a sua substituição por outro.
Já numa situação de impedimento, basta que o titular do órgão ou o agente se encontre numa das situações previstas na lei para já ter de se submeter a uma decisão sobre se deve ser impedido ou não, nunca essa decisão fica dependente de qualquer requerimento, seja do próprio “impedido”, seja do particular interessado na questão.

Portanto, numa situação de suspeição, a lei dá ao titular do órgão ou ao agente administrativo o direito de pedir escusa de intervenção naquele procedimento, assim como dá aos particulares interessados no procedimento o direito de oporem suspeição ao órgão normalmente competente, pedindo a sua substituição. Caberá, por fim, ao órgão competente decidir sobre se há ou não motivos para suspeição. Se os houver o “suspeito” é substituído, mediante declaração de suspeição, se os não houver continua em funções e fica legitimado para intervir no procedimento (art.º50º do CPA).
Se eventualmente forem desrespeitadas as garantias de imparcialidade, serão anuláveis os actos administrativos e os contratos administrativos em que intervenham titulares de órgãos ou agentes impedidos ou para os quais tenha sido emitida uma declaração de suspeição. Além desta consequência, o titular do órgão ou o agente que tenha infringido a lei, numa das circunstâncias referidas, sujeita-se a um processo disciplinar com fundamento em falta disciplinar grave (art.º51º do CPA).
Ou seja, mais do que a um princípio de legalidade, a Administração está submetida a um princípio de juridicidade, como também defende o Professor Vasco Pereira da Silva.

Como ficou claro, toda a acção administrativa quer conste da elaboração e aprovação de regulamentos, quer da prática de actos administrativos, quer da celebração de contratos, quer, ainda, da realização de operações materiais, deve obediência à lei.
Contudo, é errado pensar que a lei disciplina a Administração sempre do mesmo modo. Isto porque, por vezes, a lei entra em grandes detalhes, pormenorizando o procedimento e o conteúdo da acção administrativa, e, nesses casos, a vinculação da Administração à lei é grande e a margem para decisão própria do órgão administrativo é pequena. Porém, outras vezes, a lei atribui à Administração um poder discricionário, isto é, um poder para a Administração utilizar em razão das circunstâncias específicas do caso concreto. Aqui a vinculação da Administração à lei é menor e a margem para decisão própria do órgão administrativo é maior.

É aqui que entram uma série de outros princípios fundamentais da actuação administrativa: princípio da igualdade, princípio da proporcionalidade, princípio da justiça, princípio da imparcialidade e princípio da boa-fé (art.º266º nº2 da CRP).

À luz do art.º6º do Código do Procedimento Administrativo, temos que: «No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação». Ora estamos, portanto, perante a consagração do princípio da imparcialidade.
O que nos diz este princípio da imparcialidade? Diz-nos, basicamente, que os titulares dos órgãos da Administração Pública devem actuar de modo isento, correcto, equidistante, acima dos interesses em presença (super partes), analisando todos os interesses, ponderando-os devidamente, tudo vertendo na decisão.
Seguindo a noção do Professor Vieira de Andrade, também adoptada pelo Professor Freitas do Amaral, o princípio da imparcialidade impõe «que os órgãos e agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que devem decidir ou sobre as quais se pronunciem sem carácter decisório».

Este princípio da imparcialidade comporta duas vertentes: uma negativa e outra positiva.
A vertente negativa diz-nos que os titulares dos órgãos da Administração, bem como os agentes administrativos, estão impedidos de intervir nos procedimentos administrativos, ou nos actos ou contratos de direito público ou privado, em que se discutam interesses pessoais, familiares ou de pessoas com quem tenham relações de proximidade. Com estes impedimentos pretendem-se evitar suspeitas de correcção ou de isenção das suas condutas. No Código do Procedimento Administrativo, mais concretamente nos arts.º44º a 51º, estão previstas garantias de imparcialidade: as situações de impedimento e as situações de suspeição.
Regime jurídico dos Impedimentos e das Suspeições

A prossecução do interesse público pela Administração Pública não é empreendida de qualquer forma.
Com efeito, se o interesse público é “o motor do agir da Administração Pública”, como o diz o Professor Freitas do Amaral, ou nas palavras do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, é “o norte da Administração Pública”, o fundamento da actuação da Administração e os limites a que está sujeita encontram-se na lei.

Do exposto deduzimos já dois princípios basilares da actuação administrativa: o princípio da prossecução do interesse público e o princípio da legalidade administrativa.

Para o que nos interessa, isto é, para a análise do regime jurídico dos impedimentos e das suspeições, vamos apenas deter-nos no princípio da legalidade administrativa, que está consagrado no nº2 do art.º266º da Constituição da República Portuguesa, quando se diz que «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei…».

O princípio da legalidade administrativa não é de formação recente, muito pelo contrário.
Desde o início do Direito Administrativo que este princípio se estruturou ao lado do princípio da prossecução do interesses público.
Segundo a Professora Maria da Glória Garcia, a evolução do princípio da legalidade administrativa, fez-se em três momentos: num primeiro momento, a lei apresentou-se como limite à acção administrativa, impedindo-a de agir, “onde há lei a Administração deve respeitá-la, não pode violá-la” (Princípio da proibição do agir); num segundo momento, começou a entender-se que, para actuar, a Administração precisava de uma lei que previsse e fundamentasse o seu agir, “onde não há lei, não pode a Administração agir” (Princípio da competência).
Na actualidade, ao contrário do que se passou nos momentos anteriores, o princípio da legalidade administrativa já não abrange apenas a vinculação à lei formal, emanada do poder legislativo. Alguns autores, como Maurice Hauriou, afirmam que hoje a legalidade a que apela o princípio em análise é uma legalidade que integra toda a normatividade, é um verdadeiro “bloco legal”.

Dito isto, deduz-se que a Administração na sua actuação encontra-se vinculada à Constituição, à Lei da Assembleia da República, ao Decreto-Lei do Governo, aos princípios gerais de Direito, aos regulamentos, aos direitos emergentes dos contratos, dos actos administrativos, das decisões judiciais…

O Sistema Administrativo Francês - O Advento do Estado Social e a Jurisdicionalização do Contencioso Administrativo


® A consolidação da fase da jurisdicionalização do sistema Francês acompanha a afirmação do Estado Social. A ideia de um Estado Social implica um aprofundamento da noção de Estado de Direito que vai obrigar a que os litígios sejam julgados em verdadeiros tribunais;



® Acontecem dois fenómenos importantes: por um lado, Uma instituição que houvera nascido para proteger a Administração do controlo dos tribunais, transformava-se agora num verdadeiro tribunal. Por outro, nasce um Direito Administrativo, por oposição a um Direito da Administração (agora, fim é, não a defesa da Administração, da manutenção de privilégios especiais, mas a garantia dos direitos dos particulares);



® Em 1872 passa-se de um sistema de justiça reservada para um de justiça delegada;


® 1953 – Criação de um sistema de duas instâncias;


® 1987 – Criação de uma instância intermédia;



® A evolução foi mais fácil nos outros países europeus do que em França:





- Alemanha – Constituição Weimar – Autonomização do contencioso Administrativo;


- Itália – 1907 – O C. de Estado transforma-se num verdadeiro tribunal;


- Espanha – 1904 – Afastamento da lógica francesa de uma dupla jurisdição. Os Tribunais Administrativos são Tribunais especiais de uma jurisdição comum;


- Portugal – Tardiamente, só em 1976, ao mesmo tempo que se dá o reconhecimento de direitos dos particulares.

® Na verdade o sistema britânico sofre alguns distúrbios que bem a contribuir para uma primeira aproximação dos dois sistemas, de tal sorte que a discussão que ocupara Maurice Houriot e Dicey começa a fraquejar.


-Surgem normas reguladoras da actividade administrativa;


- Começa a surgir um Direito Administrativo no sistema britânico.



Inês Magalhães Correia 140109003



terça-feira, 29 de março de 2011

O DIREITO ADMINISTRATIVO NO ESTADO LIBERAL - "FASE DO PECADO ORIGINAL"

Na continuação daquilo que foi esclarecido no comentário anterior, pelo meu colega de grupo José Pedro Soares, a minha parte do trabalho, que visava apresentar e defender o "sistema administrativo francês", consistiu na exposição sumária de algumas características da fase conhecida como o "berço" do Direito Administrativo: o Estado Liberal de Direito.

As revoluções liberais ocorridas entre os séculos XVII e XIX trouxeram consigo não apenas novos ideais, que romperam com a ordem autoritária e repressiva do Antigo Regime, mas também uma nova concepção de Estado e da limitação do seu poder perante as esferas individuais dos cidadãos. No entanto, esta mudança de sistema e de mentalidades não se fez de forma violenta. Pode-se até falar de uma certa continuidade entre os modelos de Estado absoluto e liberal: embora haja a consagração de princípios como o da separação de poderes e a garantia dos direitos individuais, permanece, por outro lado, uma vertente autoritária da Administração e a manutenção de algumas das suas instituições e técnicas administrativas.

No que toca à vertente revolucionária, o Estado Liberal caracteriza-se por:
  1. Afirmação dos direitos fundamentais dos cidadãos - liberdade e propriedade como limites à actuação estadual;
  2. Princípio da separação de poderes, inspirado por Montesquieu - cada função atribuída a um órgão diferente;
  3. Princípio da legalidade - lei como expressão da vontade geral e como limite e fundamento da actividade administrativa;
  4. Separação entre Estado e Sociedade - Estado com fins mínimos, nos quais predominava o da segurança interna e externa, não lhe cabendo qualquer poder de intervenção em matérias sociais ou económicas.
  5. Administração agressiva - O Estado goza de força coactiva: pode restringir os direitos dos cidadãos, reprimindo o excesso de livre iniciativa.
Traços gerais da Administração napoleónica:
  • Concentrada e centralizada - modelo inspirado ainda no Antigo Regime e exportado para o resto da Europa;
  • Acto administrativo como modo quase exclusivo de agir - manifestação da autoridade do Estado contra os particulares;
  • Fiscalização da actividade administrativa pelo sistema de justiça delegada - Há um controlo da administração por uma entidade independente mas com poderes limitados. Tentativa de conciliar os interesses da administração com a protecção dos particulares: por um lado, assegura-se a primazia da Administração, visto que a sua fiscalização é assegurada por um órgão que, apesar de exercer uma função jurisdicional, se integra no poder administrativo; por outro lado, há uma garantia da protecção dos direitos dos cidadãos através da lei e não de meios jurisdicionais. (a lei cria uma área de reserva dos particulares onde a Administração não pode entrar).
  • Esta fase, também denominada a "fase do administrador-juiz", período de promiscuidade entre administração e justiça, foi marcada ainda pelo carácter excepcional da intervenção do Conselho de Estado em matéria contenciosa. O CE só possuía assim competências nos caos previstos na lei,ou seja, o ministro permanecia como juiz do direito comum: o particular expunha, em primeiro lugar, o seu caso ao ministro, que decidia enquanto juiz, e só depois, através de apelação, é que o CE podia intervir. Há desta forma uma diferença entre a visão idílica da teoria liberal e a realidade, ou seja, a de que os tribunais administrativos não eram, na verdade, verdadeiros tribunais.
Após esta análise, podemos ainda assim assinalar múltiplas contradições internas no conjunto jurídico-público do Estado liberal:

  1. Distorção do princípio de separação de poderes - levou paradoxalmente à concentração do poder administrativo e do poder de controlo da administração;
  2. A criação de tribunais administrativos não foi acompanhada pela criação legislativa de um novo ramo de direito;
  3. Por último, incongruências no princípio da legalidade:
  • No âmbito da preferência de lei (proibição da actividade administrativa ir contra o conteúdo da lei) - preferência pela lei parlamentar, não abrangendo a constituição;
  • Quanto à reserva de lei (toda a actividade da administração ter de ser fundamentada em lei) - foi entendida como abrangendo apenas a actuação administrativa que ofendesse a liberdade e a propriedade dos cidadãos, o que deixava à administração uma larga esfera de discricionariedade, livre de qualquer lei, isto é, naquilo que não implicasse ofensa à liberdade e à propriedade, a administração podia actuar como entendesse.

Margarida Sobral, nº140109057

sexta-feira, 25 de março de 2011

Sistema Administrativo Françês no Antigo Regime

Este trabalho é o primeiro de um conjunto de quatro trabalhos referentes ao Sistema Administrativos Françês, e que constituem uma componente escrita da exposição oral efectuada na aula de D. Administrativo de 03/03/2011.

O Sistema Administrativo Françês no Antigo Regime

Ao falarmos do Antigo Regime, referimo-nos ao sistema social e político estabelecido em França, sob as dinastias de Valois e Bourbon, entre os séculos XVI e XVIII.

Durante o Antigo Regime a sociedade francesa encontrava-se dividida em três ordens, estamentos ou estados: o clero (Primeiro Estado), a nobreza (Segundo Estado) e o Terceiro Estado, que representava a burguesia e os camponeses.

Na realidade o Sistema Administrativo Françês, ao longo do Antigo Regime, caracteriza-se por uma forte posição dos Tribunais, principalmente no período final do Antigo Regime, no qual os tribunais franceses tiveram um importante papel na luta contra a concentração do poder real. Durante esse período, os tribunais recorreram a instrumentos importantes como os institutos do direito de registo e as censuras de forma a combater a concnetração do poder real. Seria mesmo dos parlamentos que partiria a ideia de convocação dos Estados Gerais de 1789, que iriam conduzir á revolução. Pode-se mesmo dizer que estávamos perante uma justiça “ideologizada, no sentido da reivindicação estamental de uma participação activa no poder concentrado do rei absoluto”.

Outro órgão que apresentava uma grande importância no contexto do Sistema Administrativo Françês, era o Conselho do Rei. O Conselho do Rei havia sido criado no século XIV, e caracterizava-se por facilitar a concentração e a centralização do poder régio, mediante o afastamento, pela via de recurso, das resistências dos tribunais á actuação das autoridades administrativas. Este conselho era o depositário mais directo da vontade real.

Seria também nos tempos do Antigo Regime que se lançariam as bases para o futuro surgimento do contencioso administrativo. De facto, o Rei reconhecia aos seus intendentes poderes muito extensos para administrar, mas também para resolver os lítigios nascidos das suas intervenções. Muitos dos instrumentos jurídicos e técnicas de controlo relacionados com o contencioso administrativo que surgiram após a revolução de 1789 foram inspirados em instituições do Antigo Regime, como o caso Conselho de Estado que parece alcançar inspiração directa na actividade dos Parlamentos.

Pode-se então concluir que o período do Antigo Regime se encontra muito marcado pela forte concentração de poder no monarca, sendo neste caso de destacar a importância evidenciada pelo Conselho do Rei. Paralelamente é notório um acréscimo cada vez maior de poder dos Parlamentos, sendo que seria dos Parlamentos que surgiria a ideia em 1789 de convocar Estados Gerais, que dariam origem á Revolução Françesa nesse mesmo ano. Essa revolução irá marcar o fim do período do Antigo Regime e dar origem a um novo período, o período do Estado Liberal, sendo que no entanto no que se refere ao Sistema Administrativo Françês, durante o Estado Liberal irá proceder-se a uma continuidade do que se havia feito nos tempos do Antigo Regime, sendo que muitos dos novos institutos se irão basear naqueles existentes ao longo do Antigo Regime.

terça-feira, 22 de março de 2011

Administração “menos preparada” para agir sobre infracções no sector da água

Os atrasos nos planos das regiões hidrográficas fazem com que a administração pública esteja menos preparada para agir sobre situações de infracção, disse hoje o presidente da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA).

A propósito do Dia Mundial da Água, que hoje se assinala, Rui Godinho referiu que os planos das regiões hidrográficas “já deviam estar mais avançados”, tal como o Plano Nacional da Água, o documento mais abrangente para o sector.

O Plano Nacional da Água, que está a ser elaborado, é um “instrumento chapéu” de planeamento a nível nacional que se vai “conformar” com os planos regionais.

“Os atrasos relativamente a ter os instrumentos de planeamento eficazes resultam sempre numa menor eficácia da actuação da administração face aos diversos utilizadores da água”, não só para o consumo directo humano, como na agricultura, indústria ou produção de energia, explicou. Nomeadamente utilizações abusivas e problemas relacionados com o controlo da qualidade da água nas origens.

Para marcar o Dia Mundial da Água, a APDA juntou-se com duas outras associações do sector para organizar um debate sobre os desafios da gestão da água em Portugal, fazendo um balanço dos cinco anos da aplicação da Lei da Água. O encontro, que decorre em Lisboa, vai ter a participação da ministra do Ambiente e Ordenamento do território, Dulce Pássaro, representantes do sector e dos grupos parlamentares.

Entretanto, a Quercus afirma que “Portugal, com uma Lei da Água desde 2005, não está a conseguir cumprir os compromissos europeus no âmbito da Directiva Quadro que a referida lei transpôs, havendo um incumprimento generalizado das tarefas que constituem o diploma legislativo aprovado pela Assembleia da República há seis anos”.

“A implementação do Programa para o Uso Eficiente ainda não avançou e a revisão dos Planos de Bacia Hidrográfica e do Plano Nacional da Água ainda está por fazer”, afirma também a Quercus em comunicado, a propósito do Dia Mundial da Água.

“A demora no início do funcionamento das Administrações de Região Hidrográfica (ARH), a incapacidade de financiamento das tarefas obrigatórias de monitorização, a falta de articulação entre ARH e um Instituto da Água (INAG) cada vez mais descapitalizado de pessoal, a total incapacidade do INAG para implementar o Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água ou o atraso na definição adequada de preços para as diferentes utilizações da água” são algumas das circunstâncias que marcam, na opinião da Quercus, os últimos anos de política da água.

A Quercus lembra que o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água regista um atraso de seis anos, os Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica dois anos e o Plano Nacional da Água um ano.

Jornal "O Público"

domingo, 20 de março de 2011

BALANÇO DO DEBATE

Tendo em consideração a necessidade de fazer uma espécie de balanço do que foi a nossa (do grupo Margarida e Mariana) prestação no debate, bem como das conclusões a que chegámos, resolvemos escrever alguns parágrafos.
Como puderam constatar, a perspectiva que defendíamos, e que continuamos a defender, é a da teoria unitária dos direitos subjectivos públicos.
Na tentativa de convencer a plateia de que a nossa teoria era a mais adequada, apostámos em diversos argumentos. Como, por exemplo, o argumento da interpretação do nº1 do art.º53º do Código do Procedimento Administrativo ser feita no pressuposto de, na expressão “legitimidade para a protecção de interesses difusos”, poder caber uma visão, não literal, mas ampla das posições jurídicas de vantagem dos particulares. Basicamente, entendíamos, e continuamos a entender, que a “legitimidade para a protecção de interesses difusos”, de que nos fala o nº1 do art.º53º do CPA, se refere apenas a direitos subjectivos públicos.
Para além deste, apostámos noutro argumento. E desengane-se quem pensa que este é de somenos importância. Vejamos, rapidamente, de que argumento se trata. Assente que está (para quem a defende) a teoria tripartida do Professor Freitas do Amaral, resta um desafio: como explicar a inexistência de regimes jurídicos distintos para os “direitos de 1ª categoria”, para os “de 2ª categoria” e para os de “3ª categoria”? É que, não parece de todo razoável, defender uma tese tripartida e depois ser incapaz de nomear as diferenças ao nível do regime jurídico que, supostamente, deveriam existir.
Dito isto, a nosso ver, e como bem explicou o Professor Vasco Pereira da Silva, os direitos subjectivos públicos podem até não ter igual conteúdo (uns estão expressamente consagrados na lei, outros resultam de um dever criado pelo legislador, como é o caso do dever subjacente à vacinação), mas todos têm igual natureza jurídica.
Se no contexto da “infância traumática” da Administração fazia sentido estabelecer diferenças entre os direitos subjectivos públicos (veja-se aliás, a título de exemplo, a já célebre frase de “os particulares, nessa época, não terem quaisquer direitos em face da Administração”), hoje não nos parece admissível tal hipótese.
A visão unitária dos direitos subjectivos públicos tem o mérito de procurar o reequilíbrio de prestações entre os particulares e a Administração, visando, primeiramente, a protecção destes.
Por conseguinte, queremos concluir o nosso balanço dizendo que, no geral, o debate correu bastante bem, não só porque ambas as “equipas” foram capazes de, cumprindo os “timings” definidos, expor as suas ideias e refutar ponto por ponto os argumentos apresentados por cada uma. Mas também porque deste “duelo” resultou, pelo menos a nosso ver, a certeza de que é com a discussão e o confronto de ideias que se aprende.

Tese Tripartida dos direitos subjectivos no Direito Administrativo – Posição do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa

Segundo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, a CRP nos seus arts.20º n.º1 e 266º nº.1 faz uma distinção entre direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos.

Esta distinção de origem italiana (onde era verdadeiramente relevante pois era a partir desta distinção que se repartiam competências entre a jurisdição comum e a jurisdição administrativa) foi trazida para Portugal pelo Prof. Marcello Caetano, tendo sido transposta pela doutrina dominante para a lei (art.266 nº1 e 268 nº 3, 4 e 5 da CRP e os arts. 53º e 124º al.a) do CPA) e utilizada pela Jurisprudência não se referindo, por vezes, à expressão “interesses legalmente protegidos” mas utilizando a expressão clássica de “interesses legítimos”, sendo a diferença meramente terminológica.

O Prof. Marcelo reconhece que o Prof. Vasco Pereira da Silva tem sido um dos principais críticos desta teoria, porém afirma que esta critica não tem grande utilidade a não ser no campo conceptual, isto porque nos textos legais, as duas expressões são quase sempre referidas conjuntamente o que permite pressupor que têm regimes jurídicos idênticos. O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa considera então que os regimes dos interesses legalmente protegidos e dos direitos subjectivos têm aspectos em comum, como a legitimidade para a invocação dos direitos de informação e de participação, a legitimidade de queixa ao Provedor de Justiça, entre outros.

Na opinião do Prof.Marcelo a concepção de direito subjectivo adoptada consiste de um feixe de poderes ou faculdades” concedidos ao sujeito para proteger imediata e directamente interesses deste. O professor afirma que uma destas faculdades é a possibilidade de obter a tutela jurisdicional plena, rejeitando assim que o poder de suscitar intervenção judicial seja meramente reactivo, afastando a tese do direito reactivo defendida pelo Prof.Rui Medeiros entre outros.

Uma das características exclusivas do direitos subjectivos apontada pelo professor é a que a protecção jurídica implica que a intervenção judicial dê plena realização ao interesse tutelado.

Por direito subjectivo devem então entender-se quer os direitos criados por actos jurídicos de direito público, quer os direitos constituídos por actos jurídicos de direito privado.

Porém, para o professor, a ordem jurídica pode considerar que certos interesses são merecedores de protecção, embora não com a intensidade que dá origem ao reconhecimento de um direito subjectivo. Este conceito englobaria duas realidades distintas: o interesse indirectamente protegido e o interesse reflexamente protegido, ou por outras palavras, o interesse legitimo e o interesse difuso.

O interesse indirectamente protegido seria aquele que merece protecção imediata da ordem jurídica, mas que está numa posição subalterna em relação a outro interesse quer este seja público ou privado. Também aqui há um interesse imediatamente protegido através da concessão de poderes ou faculdades, como são a possibilidade de reagir contra condutas contrárias ao interesse e de responsabilizar civilmente quem o tiver violado. No entanto, distingue-se dos direitos subjectivos por não haver uma protecção directa e consequentemente não haver uma realização jurisdicional plena (ex: interesse dos cidadãos de salvaguardar a sua saúde quando a lei impõe uma vacinação geral por razões de saúde pública: o interesse primariamente protegido seria o interesse público da saúde pública, mas a lei protege ainda imediatamente, embora indirectamente, o interesse de cada cidadão quanto à sua própria saúde, embora não lhe dando o poder ou faculdade de exigir a vacinação).

Já o interesse reflexamente protegido ou interesse difuso não é objecto de protecção imediata pela lei, resultando a sua protecção de um outro interesse (ex: fabricantes de certo produto beneficiam da proibição de importação desse produto. Porém a ratio da lei não seria protegê-los mas sim proteger fins de interesse público como protecção da concorrência interna ou até protecção da saúde pública. Não é o interesse dos fabricantes que é protegido por lei nos termos imediatos). Nestes casos, os sujeitos têm limitados poderes, que não envolvem nem a sua realização jurisdicional, nem a responsabilização dos violadores. Gozam apenas de legitimidade processual para impugnar o comportamento alheio, fundamentando a impugnação numa eventual ilegalidade.

Para terminar, o Prof.Marcelo Rebelo de Sousa afirma que a distinção entre direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos não pode ser levada em demasia uma vez que estes se distinguem apenas pela pelos graus de tutela conferida pela ordem jurídica e que as diferenças são principalmente de índole quantitativa e não qualitativa, visto que uma situação jurídica absolutamente idêntica do ponto de vista qualitativo é por vezes tratada como direito subjectivo e outras como interesse legalmente protegido (ex: se a administração ocupar sem qualquer titulo a propriedade de um particular, este poderá obter plena tutela jurisdicional e recuperar o bem que lhe foi retirado e estamos assim na presença de um direito subjectivo. Porém, se houver a instauração de um procedimento administrativo expropriatório sobre o mesmo imóvel, o proprietário poderá apenas exigir que lhe o processo se desenrole em observância aos limites legais, estando aqui em causa um interesse legalmente protegido).

Mesmo quando aparentemente idêntica, a tutela jurídica de posições subjectivas dos particulares pode ter intensidades diferentes. Por exemplo, tantos os titulares de direitos subjectivos, como os titulares de interesses legalmente protegidos podem pedir a condenação jurisdicional da administração à prática dos actos legalmente devidos, mas enquanto os titulares de direitos subjectivos podem obter do tribunal uma injunção para a prática de um acto administrativo com um determinado conteúdo, os titulares de interesses legalmente protegidos podem apenas obter uma condenação genérica à emissão de uma decisão de conteúdo indeterminado e a explicitação dos limites que a ordem jurídica lhe impõe (art.71º CPTA). Do mesmo modo, tanto os titulares de direitos subjectivos como os titulares de interesses legalmente protegidos têm a faculdade de responsabilizar civilmente a administração pelos danos que esta lhes cause, porém apenas os primeiros têm o direito à reparação integral da sua situação jurídica, inclusivamente através da reconstituição in natura, os segundos só poderão, em princípio, obter uma compensação pelos danos negativos.

Direito fundamental ao Ambiente e "novos direitos subjectivos públicos" no ordenamento jurídico português

O direito do ambiente é um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, que tem assento na Constituição Portuguesa (CRP), no artigo 66.º, onde se dispõe sobre o Ambiente e qualidade de vida. Desta forma, apesar de situado no título III da parte I da CRP, não suscita só e primordialmente direitos económicos, sociais e culturais.

Enquanto conformável como direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, ressalta daqui uma dimensão negativa, visto a contrapartida ser o respeito, a abstenção, o non facere.

Por sua vez, enquanto direito económico, social e cultural, o direito ao ambiente trata-se de um direito a prestações positivas do Estado e da sociedade, um direito a que seja criado um "ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado".

Deste artigo resulta uma estreitíssima conexão com outros preceitos e nele não se esgota de modo algum o essencial do tratamento da matéria. Dele ressaltam: uma pluralidade de situações subjectivas, os princípios da prevenção e participação colectiva, sustentabilidade e solidariedade de gerações como ideias centrais das políticas públicas, e uma estreita relação com o art 52º nº3, como norma de garantia consagradora de tutela jurisdicional do ambiente e da responsabilidade por danos causados (sejam eles individuais ou colectivos).

Este artigo, confere a todos pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos termos previstos na lei, nomeadamente o direito de promover a prevenção da degradação do ambiente e qualidade de vida. Podendo notar-se, um alargamento de meios de tutela de interesses difusos.

A defesa do ambiente é uma tarefa estadual mas implica simultaneamente uma tutela subjectiva que traduz o reconhecimento de uma situação jurídica com uma faceta (negativa e positiva) resultante da evolução dos direitos fundamentais.

Desta forma, tem-se reconhecido novos direitos subjectivos públicos dos indivíduos, tanto resultante da protecção expressa do ordenamento jurídico, como naqueles outros em que os particulares são afectados num direito fundamental por uma decisão administrativa que não os tinha por destinatários. Surgem assim, novos direitos privados perante a Administração, teorizados e reconhecidos sobretudo no Direito alemão, no âmbito da doutrina da norma de protecção.

Na terceira geração (direitos económicos culturais e sociais) dos direitos fundamentais estes caracterizam-se com a referida dupla natureza de direito de defesa contra as actuações dos poderes públicos e privados e simultaneamente a direitos de prestação da criação de condições de qualidade de vida.

A Constituição Portuguesa adopta a defesa do ambiente como tarefa estadual, no artigo 9.º al e) e como direito fundamental, no artigo 66.º.

Em bom rigor, não se deverá falar num único, genérico e indiscriminado direito ao ambiente.O direito ao ambiente constitui um direito subjectivo complexo, que consistindo no direito de defesa contra agressões ilegais dos poderes públicos na esfera individual protegida pela Constituição permitindo a sua invocação contra entidades publicas e portanto na sua vertente negativa permite a existência de relações jurídico-publicas de ambiente (v. arts 1º, 2º, 18º nº1, 268º nos 4 e 5 da CRP).

Por outro lado, o direito ao ambiente vai permitir o alargamento da titularidade que deixam de poder ser vistas como clássicas relações bilaterais, dando origem a relações multilaterais pois através de uma acto administrativo em matéria do ambiente, para além da relação entre o Estado e o destinatário do acto surgem os prejudicados de forma correspondente aos detentores do benefício (Administração/poluidor e vitima da poluição) (art 12º nº1 da CRP).

Daí que possa o particular afectado não dirigir o recurso jurisdicional contra o beneficiário da licença mas contra a licença administrativa

Nesta perspectiva são-lhe reconhecido direitos de participação no procedimento administrativo (artigo 52.º,1A) de CPA) e tutela judicial efectiva.

A natureza de direito subjectivo ao ambiente e a existência de posições jurídicas diversas faz com que o regime material aplicável seja por um lado o dos direitos liberdades e garantias e por outro o dos direitos económicos sociais e culturais.

Como direito de defesa (decorrente de direitos fundamentais) contra agressões vale contra entidades publicas e privadas também por força dos artigos 17.º e 18.º da CRP pelo que a esta se reconduzem as relações interprivadas de ambiente por exemplo as normas que regulam as relações de vizinhança ou a responsabilidade civil (1346.º e seg e 483.º do CC).

Em Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de Protecção do Ambiente, Carla Amado Gomes refere outros entendimentos para além da doutrina do Professor.Considera como próximas as posições de Cunhal Sendim e Figueiredo Dias.

Para o primeiro o direito ao ambiente deve ser entendido como um direito de personalidade em sentido amplo.Na verdade J Cunhal Sendim em A Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos ,da Reparação do Dano através da Restauração Natural. Entendendo que na perspectiva de o direito constitucional ser direito constitucional concretizado o direito civil não é direito autónomo do direito constitucional mas por este hetero-determinado. Considera que o direito ao ambiente, rectius os direitos ao ambiente (por exemplo, o direito a uma luz adequada, à salubridade da água , à qualidade do ar) configuram-se como direitos de personalidade em sentido amplo, porque nos direitos de personalidade proprio sensu o bem tutelado é relativo à pessoa, não sendo identificável com bens que lhe são estranhos. Estes bens configuram-se como direitos de personalidade em sentido amplo porque a sua fundamentação axiológica assenta também na personalidade humana enquanto factor de polarização de soluções i.é enquanto elemento susceptível de inflectir ou induzir decisões jurídicas num sentido que histórica ou comparativamente, podia ser diverso. O que considera significativo porque em caso de conflito com direitos ou interesses de carácter essencialmente patrimonial se justifica a prevalência do direito ou da situação jurídica da personalidade. Dá como exemplo das decisões da jurisprudência portuguesa que considera o direito ao ambiente como um direito de personalidade à vida, à saúde e ao repouso gozando assim da tutela do art 70.º do CC.

Para Figueiredo Dias, adoptando uma concepção restrita do direito ao ambiente, que justifica o mecanismo da acção popular como forma de extensão da legitimidade processual na defesa de interesses relativos a bens colectivos e como direito subjectivo sob os quais se albergam pretensões individualizadas e autónomas tais como direitos procedimentais ambientais sob a forma de direitos de informação, de participação de acção judicial.

Para Gomes Canotilho, em Direito ao Ambiente como Direito Subjectivo, defende que é um direito fundamental e um direito subjectivo do tipo dos direitos económicos sociais e culturais, entende que não é um verdadeiro direito subjectivo de defesa pois não garante ao cidadão o direito de defesa contra actividades dos poderes públicos ambientalmente lesivas.

Por outro lado entende que não é um direito subjectivo prestacional porque não confere ao particular um direito originário a prestações destinado a exigir uma actividade dos poderes públicos promotores de um ambiente sadio ecologicamente equilibrado. Aceita contudo que os particulares têm direitos especificamente incidentes sobre o ambiente, tais como os procedimentais ambientais sob a forma de direitos de informação de participação e de acção judicial e o direito de acção popular.Admite que o dever de protecção do Estado relativamente ao ambiente possa ter como fim assegurar ao titular do direito ao ambiente uma protecção radicalmente subjectiva tendo em conta a intensidade concreta da agressão ambiental (em situações extremas de perigo). Quanto ao direito a prestações ambientais originárias, não aceita dado que o direito ao ambiente não nos dá o conteúdo preciso dessas prestações.

Para Colaço Antunes é relevante a vertente colectiva do bem ambiente que acarreta a natureza de interesse difuso fundamental, não satisfaz necessidades individuais mas colectivas, presta uma função de fruição colectiva e assim o art 66.º, n.º 1 da CRP tutela uma subjectividade plurindividual.Pelo que para a referida autora o autor realça a vertente procedimental.

Para Jorge Miranda é relevante a faceta colectiva dos bens ambientais naturais e aproxima o direito ao ambiente à figura do interesse difuso mais do que se de um direito subjectivo se tratasse (como foi anteriormente enunciado).Nestes direitos avulta a estrutura negativa tendo como contrapartida a abstenção, o seu objecto é a conservação e consiste na pretensão de cada pessoa de não ver afectado o ambiente em que vive e na pretensão de obter os meios de garantia indispensáveis para tal. Considera a importância do dever fundamental de protecção do ambiente que impende sobre todos do qual se podem retirar consequências quer ao nível da responsabilidade civil, quer no do ilícito de mera ordenação social quer criminal. Relevam no plano subjectivo direitos específicos e autónomos de carácter pessoal e patrimonial.

A base de subjectivação da tutela resulta do artigo 52.º,n.º 3 da CRP. i.é. na possibilidade reconhecida a todos os cidadãos de requererem a tutela judicial preventiva e ressarciatória contra condutas lesivas dos bens ambientais.

Finalmente, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva (e como já referido anteriormente), a todas as posições substantivas de vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos subjectivos, entendidos como conceito amplo, que necessariamente implica o reconhecimento de “novos” direitos subjectivos públicos e o aparecimento de um esquema de multilateralismo nas relações jurídicas. Assim, no domínio do Direito do Ambiente, e como resulta do já referido art 66º da CRP e da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº11/87, de 7 de Abril) através de uma proibição genérica de poluir (segundo os termos do art 26º nº1) , consagra expressamente um direito subjectivo público dos “cidadãos directamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida ecologicamente equilibrado” (art 40º): surgimento de uma relação jurídica multilateral, onde se integra o poluidor, a Administração e o privado que é lesado de forma grave no seu direito fundamental. Para protecção dos seus direitos é que lhe são atribuídos direitos de intervenção no procedimento administrativo, segundo os termos do art 53º nº2 al a) do CPA, assim como tutela judicial efectiva. Acresce ainda que no respeitante à Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração nesta matéria (art 41º), é alargado o âmbito da responsabilidade objectiva das autoridades administrativas: “existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente”. Segundo este entendimento (perspectiva da relação jurídica administrativa), assim se devem conceber os direitos subjectivos públicos à luz dos direitos fundamentais.


Filipa Rito

sábado, 19 de março de 2011

Debate: teoria unitária dos direitos subjectivos vs teoria tripartida

Caros colegas,

O grupo Margarida Quintino e Mariana Ferreira, na aula passada entregou à turma um pequeno resumo sobre a matéria de que falámos. Se alguém não foi à aula e gostaria de receber um exemplar mande um email para: margarida_quintino@hotmail.com ou para marianaisabel_27@hotmail.com, a fim de que vos seja enviado um.

Obrigada,
O grupo Margarida e Mariana

quinta-feira, 17 de março de 2011

O Direito Fundamental ao Ambiente da perspectiva da Teoria dos Direitos Subjectivos

Não se ignora mais a ecologia e o Direito ao Ambiente como um problema da actualidade; uma realidade dos nossos dias, que abrange tanto a colectividade e cada um dos indivíduos. A protecção da natureza e do ambiente remonta já à crise do modelo de Estado Providência ou Estado Social, surgido no final do anos 60, cujos sintomas foram agravados com a chamada “crise do petróleo” da década seguinte, que  obrigou, nos anos oitenta e noventa, a uma generalização da consciência da escassez dos recursos naturais e dos limites do crescimento económico que esta impunha. O ambiente constitui nos dias de hoje, portanto, uma questão política e, como tal, necessita de uma solução também ela política, como veio a mostrar a referida crise do Estado Providência.
Como problema político, não pôde deixar de ter, naturalmente, consequências de natureza jurídico-filosófica. No âmbito do tratamento da dimensão jurídica da problemática ambiental, devem ser referidas duas concepções. Segundo alguns autores, o direito ao ambiente, faz parte de uma terceira geração de direitos fundamentais, que surgiu na passagem do século XX para o século XXI, a qual abrange também direitos diversos, como o direito ao desenvolvimento, à participação no património da humanidade, à autodeterminação. Segundo outros, trata-se apenas de um alargamento ou enriquecimento dos direitos fundamentais em face das transformações de que a sociedade actual tem vindo a ser alvo.
Independentemente da posição doutrinal adoptada, é líquido que, hoje, a relevância do ambiente é quase obrigatória ou recorrente em quase todos os novos textos constitucionais. Mesmo nos países, como a Alemanha, onde as Constituições nada prescrevam acerca do ambiente, o princípio de preservação e de defesa do ambiente tem vindo a ser procurado pela jurisprudência e doutrina através de uma depreensão deste a partir de outros princípios ou outros direitos. Assim, fala-se num “direito ao mínimo ecológico de existência”, análogo ao “mínimo social de existência”, que encontra a sua base na ideia da dignidade da pessoa humana, no direito à vida ou nos princípios do Estado social de Direito.
É na sequência desta ideia da relação que se cria entre os indivíduos e os poderes públicos e privados acerca da conservação e fruição de natureza que se pode observar um crescimento da dependência do Direito Administrativo do Direito Constitucional.
A relação jurídica administrativa é, agora, vista como o novo “centro” do Direito Administrativo, ocupa posição pertencente ao acto administrativo na dogmática tradicional por este não ter conseguido abarcar a integralidade do relacionamento da Administração com os particulares. Particulares estes possuem, perante a Administração Pública, direitos subjectivos públicos, que integram o conteúdo de uma relação jurídica administrativa e são uma condição lógica da sua existência. Além disso, os direitos subjectivos constituem fundamento da admissibilidade das referidas relações públicas entre o indivíduo e o Estado (como poder público).
O reconhecimento, ao indivíduo, da titularidade de direitos subjectivos, ou seja, a elevação do indivíduo-”administrado” a “centro de imputação subjectiva de direitos e deveres”, fez com que este deixasse de ser tratado como objecto do poder e fosse transformado num sujeito de direito, em condições de estabelecer relações jurídicas com os órgãos do poder público, onde se pressupõe, a partir do reconhecimento dos direitos fundamentais, um equilíbrio das posições relativas dos particulares e da Administração. Este equilíbrio parte da premissa de o particular deixar de ser a peça integrada numa estrutura que totalmente o transcende, para ser considerado um sujeito de direito autónomo, direito esse que conforma a ligação Estado-cidadão e põe em vigor a dignidade e personalidade da pessoa, constitucionalmente garantida; ou seja, esse reconhecimento, perante as autoridades públicas, traduz-se na protecção jurídica da dignidade da pessoa humana, que é um dos princípios essenciais de um Estado de Direito.
     Assim, a titularidade desses direitos tem como consequência a atribuição, ao particular, da possibilidade de actuação no procedimento para defesa preventiva dos seus direitos perante a Administração, o qual surge como instrumento adequado de conciliação de interesses públicos com os interesses particulares. O procedimento é consagrado e garantido pelos direitos fundamentais, que tanto vinculam o legislador, como a Administração; isto é, por os referidos direitos se reflectirem no procedimento, o legislador tem de o constituir como efectivador dos direitos fundamentais e a Administração tem a seu cargo que ele seja com eles conforme. Desta forma, o contencioso administrativo transforma-se no significado prático dos direitos subjectivos, o qual reside na possibilidade da sua imposição jurisdicional, isto é, num processo que assegure uma tutela efectiva e integral desses direitos, onde se verifique a referida equiparação das posições da Administração e dos particulares, sendo, para isso, fundamental que tanto o indivíduo como a Administração se encontrem igualmente limitados pelo mesmo tribunal.
À medida que o Direito Administrativo foi prosseguindo a sua jornada no caminho da actualidade, os direitos subjectivos públicos, ou seja, as posições de vantagem dos particulares face às autoridades administrativas, sofreram um novo alargamento. A actividade administrativa da actualidade foi alvo de várias transformações, transformações estas decorrentes do surgimento de uma Administração prospectiva ou infra-estrutural, cujas actuações produzem efeitos que vão muito para além dos imediatos destinatários, o que veio a obrigar a recolocar o problema da protecção jurídica dos privados perante a Administração.
Decorria da “teoria da norma de protecção” que o direito subjectivo tinha que ser atribuído pelo legislador ordinário. Isto significa que o indivíduo só era titular de um direito subjectivo em relação à Administração quando fosse intencionalmente concedida pelo legislador uma vantagem objectiva através de uma norma jurídica (que, além de visar a satisfação do interesse público, também abrangesse a protecção dos interesses dos particulares). A referida realidade actual veio a abrir uma crise neste conceito, desencadeada pelo alargamento das fontes criadoras de direitos subjectivos, ultrapassando a tendência do esquecimento de que esses direitos podiam, por exemplo, resultar igualmente da Constituição. A quase exclusiva concentração na legislação ordinária foi bastante evidente no que tocava aos direitos fundamentais: apesar de qualificados como direitos subjectivos, não se fazia deles uso no domínio das relações administrativas - precisamente por se considerar direitos dos particulares apenas os consagrados pelo legislador ordinário.
A, já mencionada, tendência de alargamento dos direitos subjectivos públicos reconhecidos pela jurisprudência (através da actuação crescente dos tribunais administrativos) aos particulares em situação afectadas por actuações da Administração concretizou a reformulação do conceito de direito subjectivo e efectivou a sua extensão a situações em que o particular é juridicamente lesado pela actuação da Administração sem que tenha tido possibilidade de alegar uma norma ordinária concreta que dê imediata cobertura à sua posição. Assim, os direitos fundamentais passam ser directamente aplicados às relações jurídicas administrativas, através da teoria da norma de protecção. Esta interpreta os demais direitos subjectivos à luz dos direitos fundamentais e, para invocar direitos subjectivos de defesa autónomos, recorre à Constituição. Desta forma, além dos casos em que a lei protege objectiva e intencionalmente os interesses dos particulares, devem também ser tidos em consideração todas as situações em que o ordenamento jurídico apenas concede “um mero benefício de facto, decorrente de um direito fundamental”, como partes integrantes do âmbito dos direitos subjectivos.
Direito fundamental é uma forma de realização de interesses das pessoas ou de garantir a dignidade das mesmas e, numa análise perspectivada do direito fundamental ao Ambiente, este visa, para além de perspectiva imediatamente decorrente de satisfazer os interesses das pessoas concretas que hoje vivem, atender, igualmente, aos interesses das gerações futuras. Tal decorre do facto de a população de hoje não ter o direito de gastar todos os recursos (não renováveis) de que a Terra dispõe. Em Portugal, este princípio está constitucionalmente consagrado (quanto ao objectivo da política agrícola) no art. 96º, n.º 1, al. d) o “assegurar o uso e a gestão racionais dos solos e dos restantes recursos naturais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração.” 
O direito ao ambiente consiste, sobretudo, num direito a que as autoridades administrativas se abstenham de agredir a esfera individual protegida através dos direitos fundamentais (que é uma decorrência essencial da qualificação dos direitos fundamentais como direitos subjectivos públicos) e da possibilidade da sua directa invocação no âmbito das relações jurídicas administrativas, como decorre do disposto nos arts. 17º e 18º/1 da CRP, segundo os quais, o direito ao ambiente possui uma vertente análogo aos direitos, liberdades e garantias gozando, como tal, do respectivo regime jurídico.
As referidas normas não esgotam, de todo, a contemplação, pela Constituição, da matéria ambiental; entre as várias existentes, na medida do relevante para a análise em questão, importa referir o art. 9º, al. e), que estabelece, entre as tarefas fundamentais do Estado, “proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território”; para garantir esses direitos e interesses, o art. 52º, n.º 3 confere a “todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa”, o direito a promover a prevenção, cessação ou perseguição judicial de infracções contra a degradação do ambiente e da qualidade de vida ou a degradação do património cultural, bem como de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização. Quanto à defesa do ambiente, esta está também consagrada no art. 91º, ao estabelecer que os planos de desenvolvimento económico e social deverão ter por objectivo, entre outros, a preservação do equilíbrio ecológico e, expressamente, “a defesa do ambiente”. 
Dos preceitos extraem-se importantes consolidações da exposição teórica feita anteriormente. O não-exclusivo das entidades públicas na efectivação dos direitos, por o Estado fazer “apelo” e dar “apoio a iniciativas particulares”, é um dos exemplos de direitos subjectivos que podem ser extraídos do direito fundamental ao ambiente; ou seja, apesar de ser tarefa do Estado no exercício da sua tarefa administrativa, os particulares (organizados em associações de defesa do ambiente ou em organizações de moradores, por exemplo), podem também eles reclamar o direito que lhes é constitucionalmente atribuído. Os direitos atinentes ao ambiente são direitos de autonomia ou de defesa das pessoas perante os poderes, públicos e sociais, que os condicionam ou envolvem.
Podemos depreender que a protecção do ambiente tornou-se uma tarefa inevitável do Estado moderno, mas que o tratamento jurídico do ambiente não se reduz a uma tarefa meramente Estadual; o surgimento da “consciência ecológica” dos cidadãos levou a uma transmissão dessa tarefa para a esfera dos direitos individuais, passando a considerar as normas reguladoras do ambiente como não apenas destinadas à protecção do interesse público, mas também à protecção dos interesses dos particulares que são, desta forma, titulares de direitos subjectivos públicos. No disposto no art. 66º, n.º 1 da CRP declara-se o direito a todos a um “ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado”, através da (n.º 2 do mesmo artigo) actuação do Estado por meio de organismos próprios e concedendo os já referidos apoios a iniciativas populares.
Os direitos fundamentais permitem, portanto, tanto a defesa do indivíduos do seu estatuto constitucional contra eventuais violações ilegais por parte dos poderes públicos sob formas jurídicas, como a actuação desses mesmos poderes públicos no sentido do necessário facilitismo da concretização desses mesmos direitos.
A mais adequada via para a protecção do Ambiente decorre da lógica da protecção jurídica individual, partindo dos direitos fundamentais, e considerando que as normas reguladores do ambiente se destinam também à protecção dos interesses dos particulares, que esta forma, são titulares de direitos subjectivos públicos. A necessidade da integração da preservação do ambiente numa protecção jurídica subjectiva passa pelo recurso aos direitos fundamentais, pela consagração de um direito fundamental ao ambiente, como forma de garantia, perante agressões ilegais provenientes tanto de entidades públicas (ou privadas), da defesa e protecção constitucional adequada da esfera jurídica individual.