segunda-feira, 18 de abril de 2011

A participação dos particulares no procedimento administrativo e o direito de audiência

A participação dos cidadãos no procedimento decisório da Administração adquire, na actualidade, uma importância considerável. Não só significa que a Administração deixa de ser observada como autoritária e auto-suficiente (contribuindo para a sua democratização ou, nas palavras de Sepe, uma Administração de serviço), mas permitindo também que a participação de particulares seja uma forma de controlo da acção administrativa, face à sua complexidade e crescimento. Trata-se, no fundo, de refutar a ideia de uma Administração Orwelliana (na medida em que controla e decide pelos administrados), reconhecendo-se que esta participação permita que se tomem medidas baseadas numa correcta ponderação de interesses (públicos e privados), bem como a facilidade de aceitação pelos destinatários. Há, portanto, um duplo sentido de participação de particulares no procedimento Administrativo: a própria participação no processo de formulação de decisões e a necessidade da Administração de criar órgãos representativos de diferentes interesses ou sectores de actividade.

O sentido da participação de particulares no procedimento Administrativo não é consensual: uns entendem que esta participação tem como fim a melhoria e a facilitação da tomada de decisões (tese objectivista), enquanto outros qualificam aquela participação como meio de defesa das posições dos particulares em face da Administração (tese subjectivista).

No que concerne à primeira, trabalhada fundamentalmente na doutrina italiana, acrescenta aos direitos subjectivos dos particulares a ideia de recurso a interesses difusos, colectivos. Sendo este um termo de difícil caracterização, certo sector da doutrina propõe o entendimento do conceito de interesse difuso como um “tertium genus”, situando-se entre as noções de direito subjectivo e interesse legítimo. É, no entendimento de Gabrielli, uma posição indiferenciada [conferida] a qualquer sujeito, que não resulta, em concreto, titular relativamente ao conjunto de sujeitos envolvidos na fruição de um mesmo bem comum. Não se trata, portanto, de uma relação directa entre o titular de um direito e a Administração, mas sobretudo do empenho desta e do particular na busca por uma decisão administrativa que satisfaça o interesse público, sem colidir com o direito dos indivíduos. Esta ideia verifica-se de forma clara nos processos de massa (típicos de uma Administração Infra-estrutural), no qual participam os que são susceptíveis de poder sofrer um prejuízo fruto de uma determinada vontade administrativa. Existem ainda outras correntes que evidenciam a importância de atender ao Princípio da Imparcialidade, como forma de garantir que a completude do procedimento administrativo só se verificará se forem atendidos os interesses dos particulares. Aliás, Vasco Pereira da Silva sublinha a importância do dever de ponderação como dever da Administração de considerar todos os interesses relevantes no procedimento, considerando que a preterição desta regra acarreta, não um problema de índole formal (como defendem alguns), mas um vício material, já que não houve uma ponderação razoável dos interesses em questão. De resto, esta ideia de inspiração subjectivista pode conduzir ao pedido de invalidade material da decisão tomada.

No que tange à teoria subjectivista, considera-se que, na possibilidade de as medidas da Administração afectarem determinados interesses particulares, existe um direito fundamental destes à audição no procedimento. É, de facto, uma garantia de protecção das posições jurídicas dos cidadãos, complementado com direitos e deveres de natureza procedimental. Uma característica fundamental desta linha subjectivista é o reconhecimento do direito de audiência, através do qual aqueles que mantêm uma relação directa com a Administração vêem os seus interesses ouvidos. No entanto, e este é um traço objectivista dentro da teoria subjectivista, deve ser alargado este direito a ser ouvido a potenciais afectados pela actuação administrativa. É neste ponto que se deve esclarecer a existência de diferentes graus no que interessa à participação de particulares no procedimento, à luz deste entendimento de protecção dos direitos fundamentais contra a actuação da Administração. São eles divididos entre as partes necessárias (autor da iniciativa, autoridade decisora, destinatários do acto) e partes interessadas possíveis ou eventuais (aqueles cujos interesses podem vir a ser afectados pela actuação administrativa, no domínio de uma relação jurídica multilateral, como se caracterizou num outro texto no blog acerca do Estado Pós-Social).

Finalmente, a última questão a que nos propomos referir prende-se com o caso português. É, no entendimento de Vasco Pereira da Silva, um regime que consagra a ideia subjectivista, com traços de cariz objectivista. É garantida a participação dos particulares no procedimento, garantindo-se assim nos arts. 267,nº5 e 17º CRP e arts. 7º e 8ºCPA aquele direito fundamental, bem como é considerado sob o ponto de vista da Administração a intervenção dos privados (art. 7º CPA). No entanto, sublinhe-se mais uma vez, a orientação do nosso ordenamento jurídico é subjectivista, pelo que o particular colabora com a Administração, mas não se confunde com ela; ele é um sujeito activo, titular de interesses próprios, e dos correspondentes direitos subjectivos, que faz valer através da sua intervenção no procedimento. E a relevância objectiva não é tanto a da defesa de um interesse colectivo, mas sim o da defesa de interesses dos particulares no procedimento.

É neste âmbito que se situa um importante meio de satisfação dos direitos dos particulares face à Administração – o direito de audiência que, no caso português, vem previsto no art. 267,nº5 CRP e 100º e ss. CPA. Seguindo a estrutura referida por Freitas do Amaral, dir-se-ia que se passou do Estado Orwelliano, no qual a Administração conhece, por si só, os interesses dos particulares e os resolve através de um procedimento que carece de participação suficiente por parte dos interessados, para uma Administração à qual se exige que tome uma decisão tendo por base a apreciação dos indivíduos envolvidos. Todavia, a Administração age segundo regras contidas nos artigos do CPA referidos, nomeadamente no que respeita ao fornecimento de todas as informações sobre as razões do provável sentido da decisão, no dever de respeitar o prazo legal, na possibilidade de optar entre audiência escrita e oral (é uma decisão discricionária (art.100º CPA) e à ideia de contraditório e contra-argumentação como forma de resposta do particular à provável vontade administrativa. Freitas do Amaral recorre ao seguinte esquema faseado: primeiro, a Administração deve fundamental o seu projecto de decisão; apresentar os motivos pelos quais recusou a audiência do interessado (art. 103º CPA), se assim o fez; por último, explicar por que razões não atende à reclamação do particular. A preterição de algum dos requisitos enunciados conduzirá à anulabilidade ou à nulidade (que nos parece mais defensável, tendo em conta que qualquer fase do procedimento violada incorrerá simultaneamente na violação de uma disposição fundamental – 267,nº5 CRP).


Aproveito para desejar umas óptimas e merecidas férias a todos!

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