terça-feira, 3 de maio de 2011

O CONCEITO DE ACTO ADMINISTRATIVO

A concepção tradicional de acto administrativo tem origem em França, no período liberal. Esta foi construída para efeitos contenciosos, de forma a proteger as autoridades públicas das intromissões do tribunal. No direito alemão, OTTO MAYER, comparava o acto administrativo a sentenças que definiam autoritariamente o direito dos súbditos. Este conceito também nos aparece em MAURICE HAURIOU. Fazia avultar as diferenças entre o acto administrativo e as decisões executórias, constituindo estas últimas os actos recorríveis ou em sentido restrito, enquanto manifestação por excelência do poder administrativo. Fala em privilégios exorbitantes da administração de definição do direito – o privilégio da execução prévia.
Estes conceitos eram marcados pela lógica liberal. Vão ser postos em causa com a evolução do Estado social e depois com a passagem para o Estado pós-social influenciando a doutrina dos diferentes países de forma mais ou menos profunda e vão aparecer ainda que sob forma reconstruída em algumas das concepções doutrinárias.
No direito português, a noção do acto administrativo foi-nos dada por MARCELO CAETANO que como em OTTO MAYER e MAURICE HAURIOU considerava que o acto administrativo tinha duas vertentes. Desta forma, o acto administrativo era definitivo e executório.
Segundo MARCELO CAETANO, o acto definitivo que é a “resolução final que define a situação jurídica da pessoa cujo órgão se pronunciou ou de outra que com ela está ou pretende estar em relação administrativa” desdobra-se em material (o acto, enquanto acto jurídico, decidia a posição do particular; era um acto de definição do direito, de natureza reguladora), horizontal (aquilo que relevava era a última vontade da administração e portanto não estava em questão o procedimento mas sim a decisão que punha termo ao procedimento – só esta correspondia a acto definitivo) e vertical (para considerar que acto tinha de ser praticado pelo órgão do topo e não por qualquer subalterno).
O acto era executório porque produzia efeitos e por ser susceptível de coacção contra a vontade dos particulares.
Em Coimbra, QUEIRÓ (que se aproximava mais próximo de Otto) considerava que só os actos definitivos executórios eram actos administrativos. A grande diferença é que MARCELO CAETANO adopta um conceito amplo de acto administrativo. No entanto, na prática não existe diferença entre estas duas posições visto que MARCELO CAETANO, apesar de dar um conceito amplo de acto administrativo, via o acto administrativo apenas como acto definitivo e executório.
Estas construções eram substantivas mas tinham consequências: só os actos que gozassem destas duas qualidades podiam ser impugnados pelos particulares. Vão marcar o Estado português mesmo quando ele passou a ser um Estado social. Esta exigência da definitividade e executoriedade foi afastada com a reforma de 2002/2004.
Por outro lado, estes conceitos, em virtude das alterações sofridas já eram, antes destas revisões, inadequados para explicar a realidade existente. Com o Estado social veio o modelo da Administração Prestadora trazendo consigo um modelo novo de acto administrativo – acto administrativo favorável, praticado em vários momentos do procedimento. Este acto não gozava dos conceitos tradicionais da definitividade e da superioridade pois era favorável ao particular. Com a transição para o Estado Pós-Social a administração adquire uma dimensão infra-estrutural actuando nestes domínios como entidade que regula, estabelece regras, sanciona o cumprimento dessas regras mas não tem de produzir os actos administrativos – tem uma função reguladora e fiscalizadora.
A partir dos anos 60 fala-se do acto administrativo de duplo efeito: efeito desfavorável e favorável - acto que produz efeitos para além dos seus imediatos destinatários.
Aquelas duas noções de definitividade e executoriedade não se adequavam às realidades de hoje. Mas os traumas demoram a ser superados. Desta forma o legislador tentou adoptar noções amplas de acto administrativo que afastassem esses aspectos autoritários e há várias formas através das quais os diferentes retornos realizassem. Assim, o Código do Procedimento Administrativo define, nos termos do artigo 120º, os actos administrativos como as “decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo das normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”
O legislador não utiliza a ideia de executoriedade nem definitividade. Não restringe. Refere que tem de ser decisão do órgão, voluntária, aplicando normas e princípios de efeito público e visa produzir numa situação individual e concreta. Assim o acto produz directamente efeito jurídico (acto administrativo). Se assim não for é considerado uma operação administrativa informal.
Para VASCO PEREIRA DA SILVA estamos perante uma noção ampla e adequada porque abrange quer actos da administração polícia como os da administração prestadora, infra-estrutural…
No entanto, há quem defenda uma noção mais restrita do acto administrativo como é o caso de DIOGO FREITAS DO AMARAL que argumenta que sendo uma decisão do órgão da administração, o efeito jurídico tem de ser novo. VASCO PEREIRA DA SILVA contra-argumenta referindo que a decisão implica a ideia apenas de voluntariedade. Não há argumento que aponte no sentido desse carácter restritivo.
Este alargamento que a reforma de 2004 introduziu corresponde à evolução do direito europeu. Por outro lado o órgão da administração pública, a que se refere o artigo 120º do CPA, é algo que não existe em muitos países da União Europeia (principalmente países de influência saxónica). A União Europeia dispensou este elemento orgânico. Assim o conceito de órgão ainda constitui uma barreira no direito administrativo português.

Sem comentários:

Enviar um comentário