quinta-feira, 7 de abril de 2011

Na passada aula de terça-feira estivemos a analisar o tema do procedimento administrativo como alternativa ao acto administrativo, enquanto “centro” do Direito Administrativo.

Com efeito, a dogmática clássica fazia do acto administrativo o “centro” do Direito Administrativo. Porém, hoje, perante a desmultiplicação das formas de actuação administrativa, que vão desde contratos públicos, a planos, passando por regulamentos e actividades cada vez mais técnicas, é necessário encontrar um “novo centro”, isto é, encontrar um novo conceito, a partir do qual se estruture todo o Direito Administrativo.

Alguns autores, como Nigro, Cassese, Pstori, Pericu, Pugliese, Trimarchi, Chiti ou Cardi, entendem que esse “novo centro” deve ser o procedimento administrativo. Basicamente, esta doutrina italiana defende que «quer quando a Administração actua de forma não autoritária, quer quando o acto administrativo se inscreve no âmbito de uma relação administrativa mais complexa, o elemento comum dessas modalidades de relacionamento entre a Administração e os privados é o procedimento» (Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 2003).

Referida a importância actual do procedimento, enquanto “pilar” do Direito Administrativo, vamos agora concretizá-la um pouco mais, através do estudo de um caso em concreto.

O caso que vos proponho é o do procedimento administrativo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA). Este procedimento é um instrumento jurídico de natureza preventiva, fundado na realização de estudos e consultas, com efectiva participação pública e com análise de alternativas possíveis. Tem por objectivo a recolha de informações e a identificação e previsão dos efeitos ambientais de determinados projectos, públicos ou privados; assim como, a identificação e proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem esses mesmos efeitos. Sendo que, em última análise, tem-se em vista a tomada de decisão sobre a viabilidade de execução de tais projectos e a respectiva pós-avaliação.

A Administração Pública tem um importante papel na prevenção do ambiente. Nenhum projecto pode ser licenciado sem prévia consideração ambiental, isto é, todos os projectos em curso de autorização ou aprovação têm de ser devidamente avaliados e tidos em conta no momento de decidir sobre se são, efectivamente, autorizados ou aprovados, ou não.

É com base nesta preocupação em garantir que potenciais impactes ambientais não sejam “descurados”, que se justifica a existência de um procedimento administrativo de Avaliação de Impacte Ambiental.

À semelhança de outros procedimentos administrativos, a AIA envolve diversas fases procedimentais.
Vamos, então, passar a analisá-las:
1ªfase: elaboração do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) – esta fase corresponde à “iniciativa”, que, no caso, pode partir de um particular, definido nos termos da alínea p) do artigo 2º do Decreto-Lei nº69/2000. Naturalmente que este Estudo de Impacte Ambiental terá de ser apresentado à autoridade administrativa competente para o procedimento. No documento que contenha o referido Estudo de Impacte Ambiental descrever-se-á sumariamente o projecto que se pretende licenciar e apresentar-se-á um conjunto de elementos, constantes do anexo III do Decreto-Lei nº nº69/2000, relativos aos materiais a utilizar, à energia, aos factores ambientais eventualmente afectados, aos mecanismos técnicos de prevenção e valorização ou reciclagem dos resíduos gerados…

2ªfase: apreciação técnica pela comissão de avaliação – a comissão técnica tem, de acordo com o já mencionado Decreto-Lei nº69/2000, um prazo para se pronunciar sobre a conformidade do EIA. Desta apreciação podem decorrer uma de duas consequências: o encerramento do procedimento administrativo em análise, em virtude de uma declaração de desconformidade do EIA, ou a manutenção do procedimento, se, em vez de uma declaração de desconformidade, for emitida uma declaração de conformidade com o EIA;

3ªfase: participação pública – sendo emitida uma declaração de conformidade com o EIA pela comissão de avaliação, a autoridade competente na AIA fará um anúncio público do projecto em causa, a fim de que os particulares interessados possam exercer o seu direito de participação;

4ªfase: declaração de impacte ambiental – esta é a última fase de todo o procedimento administrativo de Avaliação de Impacte Ambiental. Depois de decorridas todas as fases previstas na lei, a autoridade competente para o procedimento terá de emitir uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA). Esta declaração ou é favorável e o projecto avança, porque mediante uma declaração favorável a entidade administrativa competente para o licenciamento, depois de notificada, licenciá-lo-á; ou é desfavorável e, nesse caso, o projecto “morre” ali.


Como podemos constatar a importância do procedimento, nos nossos dias, é fulcral. Porque não só permite à Administração ponderar, prever, calcular e minimizar riscos, como permite que os particulares interessados possam ser chamados a se manifestar.
Todas estas fases descritas têm um propósito, o de garantir aquilo a que a Constituição da República Portuguesa, no nº1 do seu artigo 66º, consagra, isto é, um «ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado». Mas, em última análise, há um outro propósito que não é negligenciado. E esse é, sem dúvida, o de evitar o arbítrio das decisões administrativas.
Hoje, a Administração não é mais uma Administração que agride os direitos dos particulares; é, antes, uma Administração que é forçada a fazer intervir os destinatários das decisões, na tomada das mesmas, é uma Administração que não toma as decisões sozinha; é, em suma, uma Administração que, agindo de modo imparcial, prossegue o único fim que a lei lhe comete, o fim de interesse público.

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